Anjos e Demonios dentro do Ocultismo e da Alta Magia - Sacerdote: Maximillian.

 Boa noite!

Dentro de instantes, daremos início à nossa aula, onde abordaremos um tema profundo e, por vezes, mal compreendido: por que trabalhar com Anjos e Demônios simultaneamente, dentro do Ocultismo e da Alta Magia, não fere os princípios da Ordem que sustenta o Universo — e tampouco contraria os fundamentos espirituais do Antigo Testamento.


Vamos explorar textos bíblicos, reflexões de pensadores da Igreja e chaves simbólicas que ajudam a lançar luz sobre esse tema. A proposta é trazer clareza, profundidade e base sólida para que cada um compreenda a lógica espiritual por trás dessa prática.


Sabemos que o assunto é vasto e não se esgota em uma única conversa. Por isso, ao final da aula, compartilharei o link do texto base, para quem desejar se aprofundar com calma.



Pra isso, vamos olhar primeiro pra figura de Satan, o Grande Príncipe. Ele não começou como um inimigo. Muito pelo contrário: ele foi o primeiro entre os Anjos, um ser cheio de luz que vivia bem perto de Deus, lá nos altos céus.

Mas chegou um momento em que ele escolheu sair da presença direta do Criador. Não foi expulso como muitos pensam — ele saiu por vontade própria, e isso faz parte de um mistério mais profundo que a gente vai explorar.

Desde então, ele está aqui nesse mundo — antes mesmo da humanidade existir. Ou seja: este planeta não é só “nosso”. Ele tem tanto direito de estar aqui quanto nós, porque esse direito foi dado por Deus. Nada acontece fora da Vontade Maior.

E aqui vem o ponto principal:
O Universo funciona por polaridade. Assim como existe o dia e a noite, o frio e o calor, o alto e o baixo — também existem os Anjos e os Demônios. Eles fazem parte de uma mesma engrenagem. Um ajuda a entender o outro. Um existe por causa do outro.

Não se trata de “escolher um lado” como num jogo. Se trata de entender o equilíbrio. Porque quem realmente conhece a Criação sabe que tudo tem seu lugar — inclusive as forças que parecem opostas.

Satã, os Olhos do Rei
Após o Cativeiro da Babilônia, a religião judaica passou por profundas transformações. Fortemente influenciada pela doutrina de Zoroastro — que apresenta o conflito entre Bem e Mal como uma estrutura cósmica — e também impregnada de conceitos religiosos mesopotâmicos, surgiu uma nova figura: Satã.

Mas a ideia de Satã não nasceu como um ser monstruoso, rebelde ou caído no sentido moral que conhecemos hoje. Na verdade, ela veio de um modelo administrativo muito concreto, usado nos impérios da época.

A palavra "Satã" significa "o adversário" ou "o acusador". E, no Império Persa, havia de fato um funcionário com esse título e essa função. Esse personagem existia em oposição a outro agente chamado “os olhos do rei”.

O papel desses “acusadores” era sério e temido: viajavam em segredo pelos territórios do império, investigando o que estava sendo feito de errado. Eles preparavam relatórios e denúncias, que eram apresentados diretamente ao imperador. A partir disso, vinham punições, cobranças, correções. Muitas vezes, essas expedições vinham acompanhadas de tropas — para cobrar impostos e impor a ordem onde fosse preciso.

Como destaca Pedro Freire Ribeiro, em "Bases da Política Imperial dos Aquemênidas", esses inspetores eram parte essencial do controle centralizado. E Jeayne Auboyer, na "História Geral das Civilizações", descreve esse sistema como sendo composto pelos “olhos e ouvidos do rei”, uma metáfora antiga e poderosa — que carrega em si um grande peso simbólico.

Assim, a figura de **Satã surge não como um inimigo de Deus, mas como um funcionário celeste, uma espécie de fiscal espiritual, cujo trabalho era observar, apontar, testar, denunciar.

No Livro de Jó, isso fica evidente. Satã aparece junto aos outros anjos — os tais “olhos do rei” — e declara que percorreu toda a Terra, vindo apresentar seu relatório. Ele não se rebela. Ele cumpre seu papel.
🜂 Síntese Ocultista
Sob o olhar do ocultismo clássico, essa imagem de Satã como acusador cósmico não é o mal em si, mas o espelho que revela o que precisa ser enfrentado. Ele é a força que testa, que prova, que desafia. Sem ele, não há iniciação real. Sem adversário, não há superação.

Na linguagem hermética, poderíamos dizer que ele representa a sombra necessária para que a luz seja reconhecida como tal. Ele é o “fogo oculto” que queima as impurezas, e prepara o iniciado para o próximo estágio.

Satã: o Acusador, não o Inimigo
Satã, como vimos, significa literalmente “o acusador” — e esse é o papel que ele desempenha nos primeiros textos bíblicos. Mas é importante entender que, nessa fase, Satã não é um demônio. Ele não representa o Mal em oposição a Deus, como viria a ser pintado mais tarde.

Na verdade, no livro de Jó, Satã aparece diante de Deus em um concílio celestial, junto com os outros anjos, e conversa com o Criador com naturalidade. Ele cumpre uma função dentro da ordem cósmica, sem rebelião, sem guerra nos céus, sem queda.

Essa imagem é diretamente influenciada pelos antigos sistemas administrativos da Mesopotâmia e da Pérsia, como vimos antes. Mas também há reflexos mais profundos e antigos, enraizados nos mitos sumérios.

O pesquisador Samuel Kramer, em A Mesopotâmia (p. 123), cita uma lenda suméria anterior ao texto bíblico de Jó. Nela, um homem — cujo nome não foi preservado — se vê subitamente abandonado, doente, cercado de sofrimentos. Ele não entende por que está sendo castigado e clama ao seu deus protetor:

“Minha palavra honrada transformou-se em mentira… uma doença maligna cobriu meu corpo…
Deus meu… por quanto tempo me abandonarás, me deixarás sem proteção?”

Essa história suméria tem um final semelhante ao de Jó: o deus finalmente ouve o clamor, e as provações cessam tão repentinamente quanto começaram. O sofrimento passa, mas a pergunta permanece viva:
Por que o justo sofre? Por que o sofrimento existe mesmo quando há devoção?

Essas perguntas, levantadas já na Suméria, foram herdadas pela tradição hebraica e amplificadas na narrativa de Jó.

Mas voltando ao papel de Satã, vemos que ele é mais um fiscal, um instrumento de teste, um reflexo das leis superiores. Não é uma entidade em guerra contra Deus — é uma engrenagem na máquina divina da Justiça e da Revelação.

Inclusive, a ligação com os inspetores chamados “os olhos do rei” aparece também na própria Bíblia, como em Crônicas 16:9, onde se diz:

“Os olhos do Senhor passam por toda a terra, para mostrar-se forte para com aqueles cujo coração é perfeito para com Ele.”

Ou seja, a própria Escritura afirma que há olhos que percorrem a Terra, observando, registrando, testando. Satã era, em sua origem, um desses olhos.
🜄 Leitura Ocultista
Do ponto de vista da Alta Magia e do Ocultismo clássico, Satã representa a instância iniciadora que confronta, prova e purifica. Ele é o "guardião do umbral", o espírito que coloca o iniciado diante de suas próprias sombras e escolhas.

Negá-lo é como negar a própria noite, como se fosse possível alcançar a aurora sem passar pela escuridão.

Ele não é o inimigo do Criador — é uma das faces do processo criativo. É a Justiça crua, a Verdade sem véu, o Teste necessário.

Satã: Dos Olhos do Rei ao Espírito do Adversário
“Porque, quanto ao Senhor, seus olhos passam por toda a terra, para mostrar-se forte para aquele cujo coração é totalmente dele...”
— Crônicas 16:9

Na linguagem simbólica da Bíblia, os "olhos do Senhor" não são apenas poéticos — referem-se a uma função real e espiritual: agentes enviados para observar, registrar, testar os homens.

No contexto histórico, especialmente após o cativeiro da Babilônia, o povo judeu entrou em contato com estruturas políticas e religiosas como a do Império Persa, onde existiam funcionários reais chamados “os olhos e ouvidos do rei”. Eles percorriam o império em segredo, observando e denunciando abusos, funcionando como uma espécie de polícia espiritual e administrativa.

É dentro dessa atmosfera que a figura de Satã surge nos textos mais recentes da Bíblia:

Em Jó, ele é claramente um acusador oficial, que se apresenta com os outros anjos diante de Deus, como quem entrega relatórios do mundo.

Em Zacarias, aparece como quem se opõe ao sumo sacerdote Josué, exigindo provas de sua pureza.

Em Crônicas, seus traços já estão mais claros: um espírito que se opõe e acusa, mas não contra Deus — e sim sob o olhar Dele.

Satã como Função, não como Rebelião
A palavra “Satã” vem do hebraico śāṭān, que quer dizer “adversário”, “opositor” ou “acusador”. E pode estar ligada à raiz “chatám”, que carrega a ideia de contradizer, confrontar, pôr à prova.

Nos primeiros textos, Satã não é um inimigo rebelado, mas uma função dentro da corte divina. Como um promotor no tribunal espiritual, ele busca testar a lealdade dos filhos de Deus — mas não decide nada por conta própria. Sua missão é perguntar:

“Este é realmente fiel? Ou será justo só porque tudo lhe vai bem?”

Satã representa, neste primeiro momento, a necessidade da prova, do confronto, da depuração. Ele é a parte que testa o ouro no fogo.
Ele não é o Mal — é a provação que revela o Bem.

A Transformação: Do Acusador ao Tentador
Com o tempo, e especialmente após o contato prolongado com as religiões dualistas como o Zoroastrismo, essa figura vai mudando.
Na tradição persa, o universo é dividido entre Aúra-Masda (Luz) e Ahriman (Trevas). Esse dualismo radical influencia profundamente o imaginário judaico tardio e, depois, o cristianismo.

Assim, Satã começa a ganhar forma de entidade autônoma, rival, tentadora — não apenas acusadora.
Ele deixa de ser um funcionário do céu, para se tornar um espírito que age contra os homens e seduz ao erro. Essa evolução simbólica é uma construção cultural e espiritual — não uma ruptura com o Antigo Testamento, mas uma reinterpretação progressiva.

Como explica Fernando G. Sampaio, na obra A História do Demônio, é só com a entrada na Era Cristã que essa figura assume contornos mais dramáticos:

Agora, ele não apenas observa os homens.

Ele os tenta.

Ele os engana.

Ele se torna o "inimigo das almas", uma figura de oposição total.

Mas do ponto de vista do ocultismo clássico, essa evolução não significa degeneração — significa complexidade simbólica. O Satã do início é o espelho das nossas intenções, e o do final é a sombra projetada do livre-arbítrio humano.
🜄 Leitura Esotérica Final
Satã, como arquétipo ocultista, representa a prova que revela o verdadeiro iniciado. Ele é a esfinge que pergunta:

“Quem és tu que ousa passar?”

Na tradição mágica, não é possível negar ou destruir o adversário — ele deve ser reconhecido, compreendido e transmutado.

Por isso, trabalhamos com anjos e com demônios: porque todas as forças do universo são instrumentos da Obra.
Uns conduzem pela luz, outros pela sombra. Mas ambos apontam para o mesmo Trono.
🜃 1. Satã como “procurador” divino
Nos livros mais antigos (como Jó e Zacarias), Satã não é o “Diabo” no sentido cristão posterior, mas um ser que cumpre uma função judicial. Ele é parte da corte celestial, comparável a um promotor que testa a integridade dos homens em nome de Deus.

A raiz hebraica śāṭān (שָּׂטָן) significa justamente "acusador", "adversário", "opositor".

Essa presença funcional de Satã ajuda a compreender o mundo do Antigo Testamento como um universo regido por leis e princípios morais estruturados — onde o mal não é independente, mas sim permitido e controlado por Deus.
🜁 2. O Deus que aposta na fidelidade
Deus permite que Satã toque em tudo que Jó tem, e depois até em seu corpo, mas mantém o limite de sua vida. Isso mostra um Deus que testa, mas não destrói arbitrariamente. Há um debate divino sobre a natureza do homem: será ele fiel por convicção ou apenas por recompensa?

Deus, nesse texto, aparece mais como um soberano absoluto que observa o comportamento humano, mesmo que para isso permita a ação do “desestabilizador”.
🜂 3. A figura de Lilith no Targum
A referência à Lilith, no Targum (tradução e comentário aramaico do texto hebraico), insere um elemento profundamente simbólico e esotérico na história de Jó. Lilith é tradicionalmente vista como a personificação do caos feminino, da noite e da desordem sexual e social.

Sua aparição na tragédia de Jó aponta para forças ancestrais do caos que, além da lógica divina e satânica, também se movem nas bordas do mundo humano.
🜄 4. O clamor contra o nascimento e o Leviatã
Quando Jó amaldiçoa o dia de seu nascimento e invoca os “entendidos em conjurar Leviatã”, ele está se dirigindo simbolicamente ao caos primordial. O Leviatã é o monstro do abismo, figura do incontrolável, do sofrimento cósmico. É como se Jó desejasse desfazer sua própria existência chamando o caos para reverter a Criação.

“Que os que amaldiçoam o dia” é uma referência aos que têm conhecimento ritual para operar mudanças no tempo — uma arte mágica, simbólica, raramente mencionada na Bíblia.
✦ 5. O final como restauração e justiça incomum
A retribuição dobrada de Deus a Jó e a herança deixada às filhas (igual à dos filhos) é um gesto radical para a cultura patriarcal da época, onde filhas só herdavam na ausência total de filhos homens. Isso pode indicar uma mudança espiritual na alma de Jó, que agora enxerga a vida com justiça e compaixão ampliadas, após ter descido ao fundo do sofrimento humano.
⚖️ Conclusão filosófica
O Livro de Jó, ainda que pertença à tradição hebraica, antecipa os dilemas existenciais modernos:

Por que sofrem os justos?

O sofrimento é castigo ou provação?

Deus está ausente ou silenciosamente presente?

É possível manter a fé em meio à ruína total?

Para compreender plenamente a história de Jó e toda a profundidade que ela carrega — com suas camadas simbólicas, morais e espirituais — é essencial recorrer à própria Bíblia, especialmente ao Livro de Jó. As passagens citadas aqui vêm diretamente desse texto sagrado, que serve de pano de fundo para toda essa narrativa. Só lendo o livro por inteiro, com atenção ao que é dito e também ao que é sugerido, é possível captar o alcance da pergunta central que atravessa Jó: por que sofrem os justos?

Dentro dessa travessia, a figura de Satã, longe de ser apenas o mal por si só, funciona como instrumento de revelação, pois testa, pressiona e força o ser humano a se posicionar diante da dor, da perda e da dúvida. Ele age como desafiador do ego, como quem cutuca a alma até ela emergir mais consciente do que antes. Por isso, meditar sobre Satã nessa história não é se aproximar do mal, mas sim da verdade — e da possibilidade de responder às grandes questões existenciais por meio da elevação interior.

No fim, Jó não só sobreviveu ao caos como alcançou sabedoria. E essa sabedoria, que nasce do enfrentamento entre fé e sofrimento, é uma das maiores heranças espirituais que a tradição bíblica nos oferece.

Quando falamos de anjos caídos, é importante desfazer a caricatura criada por séculos de medo, moralismo e propaganda teológica. A Igreja os pintou como monstros grotescos, deformados e distantes de qualquer resquício de luz. Mas a verdade é mais complexa e, paradoxalmente, mais luminosa: eles ainda são anjos — seres dotados de consciência, poder e beleza. O que mudou foi sua função, sua vibração e sua posição no grande tabuleiro da Criação. Mas não sua natureza essencial.

Sob a luz das Leis Herméticas, especialmente a de correspondência — “assim como está em cima, está embaixo” — podemos entender melhor o que isso significa. A hierarquia dos céus não se desfez quando parte dela foi “lançada abaixo” — ela foi replicada, transfigurada em outro plano, mas ainda organizada, ativa e consciente. A mesma estrutura de coros, ordens e inteligências espirituais que existe nas esferas superiores permanece nos planos inferiores, como uma sombra que guarda a forma do que projeta.

Esses anjos que caíram não perderam seus poderes, nem sua sabedoria — apenas passaram a atuar sob outro ponto de vista: o da tensão, do desafio, da contraposição. São os que testam, os que acusam, os que exigem a verdade da alma. E por isso, muitas vezes, são eles que nos empurram em direção à luz, ao elevarmos nossa consciência para além da superfície.

O “inferno”, então, não é um caos desorganizado, mas uma versão invertida — e ainda ordenada — do céu. E entender essa estrutura “de baixo” é, na verdade, compreender melhor as leis que regem “o alto”. Como diz o axioma: o que está embaixo é como o que está em cima, para que se cumpra o milagre de uma só coisa.

A hierarquia angélica, conforme a teologia cristã clássica, é organizada em nove coros ou ordens de anjos, agrupados em três tríades, que refletem diferentes níveis de proximidade com Deus e diferentes funções no universo espiritual.

A Tríade Suprema está mais próxima de Deus e inclui os Serafins, que manifestam o amor ardente e a caridade divina; os Querubins, que representam a sabedoria e a ciência divina, e os Tronos, chamados também de "Sedes de Deus", que atuam como sustentadores da ordem divina e assistem os coros inferiores.

A Tríade Intermediária é responsável por executar as ordens divinas no plano espiritual. Nela estão as Dominações, que coordenam e distribuem as missões aos anjos subordinados; as Virtudes, que removem obstáculos e combatem as forças do mal contrárias à vontade divina; e as Potestades, que auxiliam no governo do mundo e da Igreja, mantendo a ordem sagrada.

Por fim, a Tríade Inferior está mais próxima da humanidade e inclui os Principados, que regem reinos, províncias e dioceses; os Arcanjos, mensageiros de missões especiais, entre os quais se destacam Miguel, Gabriel e Rafael; e os Anjos, que cuidam da proteção espiritual e física dos seres humanos, incluindo os Anjos da Guarda.

Essa estrutura, altamente organizada e funcional, não desaparece quando falamos dos chamados anjos caídos. Segundo as leis herméticas, especialmente o princípio da correspondência — “assim como está em cima, está embaixo” — a organização celestial é refletida e mantida nos planos inferiores, mesmo que em outra vibração ou função. Portanto, os anjos caídos continuam sendo anjos em essência, preservando sua natureza e poderes, ainda que estejam atuando em um plano distinto, muitas vezes marcado pelo desafio e pela contraposição. Isso ajuda a compreender que o “inferno” não é um caos desordenado, mas uma versão invertida e ainda estruturada do céu, onde as mesmas leis e hierarquias persistem em outro nível.

A compreensão das hierarquias espirituais, tanto celestiais quanto infernais, encontra suporte tanto na tradição bíblica quanto na tradição esotérica dos grimórios clássicos, como as Clavículas de Salomão e o Grimório Verum. Esses textos antigos, que datam de períodos variados e foram compilados ao longo dos séculos, apresentam uma organização muito semelhante àquela encontrada na teologia cristã sobre os coros angelicais, reafirmando a ideia hermética do espelhamento e correspondência entre os planos superiores e inferiores.
Primeiramente, a Bíblia, especialmente em passagens como as do livro de Daniel, Ezequiel e Apocalipse, descreve uma ordem angelical estruturada em nove coros, agrupados em três tríades, cada uma com funções e níveis de proximidade diferentes a Deus. Essa hierarquia, detalhada por teólogos como Dionísio Areopagita no século VI, passou a ser referência para a cristandade e posteriormente para o esoterismo ocidental.
Nos grimórios tradicionais, tais como as Clavículas de Salomão, o Grimório Verum e o Livro de São Cipriano, vemos uma replicação clara dessa organização, porém aplicada ao mundo dos espíritos que não são mais os “anjos puros” do céu, mas entidades que atuam em níveis inferiores — seja como espíritos de luz em graus menores ou como anjos caídos e demônios.
Por exemplo, nas Clavículas de Salomão, há uma divisão dos espíritos em “legiões” que se organizam sob nomes e funções específicas, refletindo as ordens angelicais. Espíritos como os “principados”, “potestades” e “dominações” são mencionados diretamente ou indiretamente, mostrando que a mesma estrutura hierárquica foi adaptada para a organização das forças espirituais sob a autoridade do Rei Salomão, conforme a tradição mística. Os grimórios especificam que, para dominar ou invocar essas entidades, é preciso conhecer e respeitar essa hierarquia, exatamente como no céu.
No Grimório Verum, que é um dos textos mágicos mais antigos e difundidos da tradição europeia, a classificação das entidades segue essa mesma linha de divisão hierárquica: há espíritos superiores (equivalentes aos arcanjos e principados), espíritos medianos e inferiores, formando uma cadeia complexa que reproduz, no mundo inferior, a organização angelical. A chave para a eficácia da magia ritual, segundo esses textos, está em operar conforme essa estrutura, respeitando as “leis” de cada hierarquia para que o poder possa fluir corretamente.

Além disso, os nomes dos espíritos, sua ordem e funções específicas nos grimórios têm correspondência direta com os textos bíblicos e apócrifos. Por exemplo, os Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael são invocados como comandantes das legiões celestiais, conforme suas descrições na Bíblia, e nos grimórios aparecem como guardiães ou reguladores de certos grupos de espíritos.

Essa correspondência revela que, embora os anjos caídos ou demônios sejam percebidos popularmente como seres monstruosos e caóticos, eles mantêm sua essência angelical, incluindo inteligência, poder e organização. A aplicação do princípio hermético “assim como é em cima, é embaixo” reforça que a mesma ordem que rege o céu e o mundo espiritual superior é reproduzida no plano inferior, ainda que com polaridades invertidas. Assim, os anjos caídos não perderam sua estrutura; pelo contrário, eles a utilizam para manter um sistema próprio, funcionando como uma contraparte ou “sombra” da hierarquia divina.

Essa visão evita interpretações simplistas que pintam o mal apenas como caos e anarquia espiritual. Em vez disso, reconhece que o mal e a adversidade têm ordem, estratégia e poder, que são aspectos que devem ser compreendidos para que o buscador possa lidar com eles de forma consciente e eficaz.

Por fim, a Bíblia, os grimórios e a tradição hermética se complementam para mostrar que o mundo espiritual, seja no seu aspecto celestial ou infernal, é um sistema estruturado, no qual a sabedoria e o respeito pela hierarquia são fundamentais. Para quem deseja compreender ou trabalhar nesse universo, é imprescindível estudar as fontes sagradas em conjunto com os textos esotéricos, entendendo que as manifestações exteriores são reflexos dessa ordem profunda e complexa. Assim, qualquer tentativa de refutar essa estrutura cai por terra diante da riqueza e da coerência das fontes tradicionais.
Na perspectiva da Alta Magia, o Deus Criador é a fonte suprema e soberana que governa toda a ordem cósmica, incluindo tanto os anjos celestiais quanto os demônios. Essa visão reconhece que o mesmo Deus que criou as forças da luz também criou as forças da sombra, estabelecendo um equilíbrio dinâmico e complementar na criação. Conforme está expressado em diversas tradições esotéricas e espirituais, um não existe sem o outro; anjos e demônios são partes integrantes de um sistema maior e harmonioso, regido pela vontade divina.
Essa ideia está profundamente enraizada na teologia e na magia cerimonial. A Bíblia afirma que Deus é o Senhor soberano de todos os espíritos (Salmos 103:20-21), e nas tradições místicas e ocultistas isso se traduz na compreensão de que as hierarquias celestiais e infernais são expressões da ordem divina, mesmo que atuem em polos opostos. Como afirmou Eliphas Lévi, um dos maiores ocultistas do século XIX, “o verdadeiro mago não recusa o contato com qualquer espírito que possa auxiliar no caminho da sabedoria, desde que seja feito com respeito e conhecimento da hierarquia divina.”
Nas Clavículas de Salomão, um dos textos mais influentes da magia cerimonial ocidental, o mago é instruído a trabalhar tanto com os anjos quanto com os espíritos inferiores — entendidos muitas vezes como demônios — em harmonia, dentro da ordem estabelecida por Deus. A operação ritual envolve invocações e conjurações que pedem permissão, respeito e alinhamento com a vontade divina, reconhecendo que todos os seres espirituais, sejam eles celestiais ou infernais, são instrumentos da criação.
De forma similar, na Goetia do Dr. Thomas Rudd, um sistema complexo de magia cerimonial do século XVII, a atuação do mago contempla as hierarquias dos anjos, arcanjos, e dos 72 espíritos demoníacos. Rudd integrou com maestria a estrutura celeste e infernal, ensinando que o mago deve trabalhar em pé de igualdade com ambas, sabendo comandar e equilibrar essas forças. A chave é a consciência de que ambos os grupos estão sob o comando do Criador, e que o mago verdadeiro não rejeita nenhuma parte do cosmos, mas busca a integração e a harmonização das energias espirituais para o aperfeiçoamento pessoal e a manifestação do poder legítimo.
Em síntese, para a Alta Magia, Deus é a totalidade suprema que inclui e transcende todos os aspectos da criação. Anjos e demônios são aspectos complementares desta ordem cósmica e devem ser compreendidos e utilizados com sabedoria e respeito. O mago completo, portanto, não trabalha exclusivamente com um lado da força espiritual, mas reconhece que a verdadeira maestria está na capacidade de dialogar e operar com ambas as hierarquias — celestiais e infernais — com plena consciência de que ambas emanam da mesma fonte divina, que é o Criador de tudo.


Comentários

Postagens mais visitadas