Sutras de Ferro e Sangue:Lado Oculto do Budismo. Soror: Akane.
A magia de mão esquerda no Japão e na China nasce do medo e do desejo de controle. Ela é o lado oculto das tradições religiosas e espirituais — um caminho de maldição, vingança e domínio sobre os mortos e os vivos.
Japão
A magia de mão esquerda japonesa é marcada por rituais sinistros como o Ushi no Koku Mairi — a maldição da hora do boi. Os Onmyōji, mestres do yin-yang, usavam espíritos, estrelas e selos mágicos para amaldiçoar ou proteger. A linha entre magia e assassinato espiritual era tênue. Espíritos vingativos (onryō) podiam ser invocados, controlados ou alimentados com raiva.
China
Na China, a magia negra era cultivada por fangshi, feiticeiros taoistas que criavam talismãs de sangue, ossos humanos e cinábrio, invocando entidades obscuras. Os rituais de jiangtou (submissão espiritual) usavam pedaços da alma da vítima, lacrados em potes e enterrados junto a oferendas podres.
O Taoismo sombrio e o xamanismo do sul alimentavam práticas cruéis: feitiços para destruir o coração, invocar doenças e manipular os mortos.
O lado obscuro do Budismo
O lado obscuro do Budismo, muitas vezes ocultado sob a imagem de compaixão e iluminação, revela tradições esotéricas e subterrâneas em que a magia de mão esquerda é usada para propósitos destrutivos — morte, doença, loucura e maldição. O Budismo Shingon carrega uma face sombria. Seus rituais secretos envolvem mantras destrutivos, deuses irados como Fudō Myōō, selos manuais e mandalas para aprisionar inimigos espirituais. O fogo do goma pode queimar não só ilusões, mas também a alma de quem se opõe.
O Budismo Esotérico (Mikkyo no Japão) ensina que todos os fenômenos, inclusive os sombrios, são expressões do Vazio. Isso permite o uso de técnicas perigosas ou destrutivas quando realizadas por iniciados que transcendem o dualismo moral. A prática é chamada de Kuro Mikkyo (黒密教) — "ocultismo negro".
Monges guerreiros (yamabushi) subiam montanhas para travar combates astrais, conjurar tempestades e subjugar entidades com o próprio sangue.
Monges de Mão Esquerda na Tradição Budista
Kūkai (空海, 774–835) – Japão
Embora não tenha sido diretamente um praticante da "mão esquerda", Kūkai, fundador do Budismo Shingon, dominava rituais secretos, mantras de subjugação e invocação de deidades iradas. Seus ensinamentos esotéricos incluem técnicas de controle espiritual, banimentos e selamentos mágicos.
A lenda diz que ele selou um "demônio dragão" sob o Monte Kōya, com mudras e selos escritos com seu próprio sangue.
Fonte: "The Religious Philosophy of Kūkai" (Yamasaki Taiko)
Padmasambhava (Guru Rinpoche, séc. VIII) – Tibete
Figura central do Vajrayāna tibetano, foi conhecido por subjugar deuses locais e demônios usando rituais ferozes. Utilizava fogo ritual, sangue, relíquias humanas e encantamentos com finalidade bélica ou exorcística. Algumas versões dizem que ele tinha consortes canibais chamadas dakinis negras.
Fonte: "The Life and Liberation of Padmasambhava" (Yeshe Tsogyal)
Dharma Rāja (Nechung Oracle / Pehar Gyalpo) – Tibete
Um espírito oracular incorporado por monges-médiuns, associado a rituais de vingança, guerra mágica e punições divinas. O lama que incorpora Pehar realiza rituais violentos com tormas (bolos de sangue simbólico), espelhos negros e relíquias humanas.
Fonte: "The Oracles and Demons of Tibet" (René de Nebesky-Wojkowitz)
Monges Yamabushi (Japão, Períodos Heian ao Edo)
Ascetas sincréticos das montanhas, entre o Shugendō e o Mikkyo (Shingon esotérico), conhecidos por realizar ritos de maldição, selamento de almas e necromancia com ossos e sangue animal/humano.
Um famoso yamabushi chamado En no Gyōja teria dominado práticas de controle de onis (demônios) por meio de mantras invertidos.
Fonte: "Shugendō: Essays on the Japanese Mountain Religion" (Miyake Hitoshi)
Mo (Monges-Feiticeiros Tao-Budistas) – China
Em períodos da dinastia Tang e Ming, existiam monges que praticavam uma fusão de Budismo Mahayana, Taoísmo e rituais xamânicos, usando amuletos de sangue, rituais funerários reversos e feitiçaria para matar rivais.
Muitos foram executados em campanhas anti-superstição.
Fonte: "Chinese Magical Medicine" (Michel Strickmann)
Lamas Negros (Seta Bon / Mongólia e Tibete)
Alguns mestres Bon pós-budistas assumiram o arquétipo de lamas negros, usando práticas de invocação de espíritos ancestrais, oferendas de sangue e feitiços de possessão. Diferem dos lamas Gelugpa (linha do Dalai Lama) por não rejeitarem a “magia mundana”.
Fonte: "The Nine Ways of Bon" (David Snellgrove)
Introdução ao Budismo Shingon
O Budismo Esotérico Shingon ("palavra verdadeira") é uma das principais escolas do Vajrayāna no Japão, introduzida por Kūkai (Kōbō-Daishi) no século IX, após seu estudo na China com o mestre Huiguo. Ao contrário do budismo exoterista (voltado ao público), o Shingon é um sistema oculto, ritualístico e iniciático, no qual o praticante busca a iluminação por meio da união com o Buda Cósmico Mahāvairocana (Dainichi Nyorai).
Os fundamentos shingon envolvem:
Três mistérios (sanmitsu): corpo (mudra), fala (mantra) e mente (meditação visualizada).
Mandala: mapas espirituais do universo — Reino do Diamante (Kongōkai) e Reino da Matriz (Taizōkai).
Goma: ritual de fogo com invocação de deidades iradas.
Mantras secretos (dharani), muitas vezes recitados em sânscrito esotérico.
Embora voltado à iluminação, o Shingon também abarca práticas ocultas capazes de transformar, subjugar ou destruir forças espirituais, sendo este o domínio da chamada “Mão Esquerda” — não maligna, mas transgressora e perigosa.
Estudos sobre Sutras Secretos e Textos Proibidos
O Shingon baseia-se em sutras esotéricos que não fazem parte do cânone público, muitos dos quais requerem iniciação (kanjō) para serem estudados ou praticados. Entre os principais:
Mahāvairocana Sūtra (Dainichikyō)
Texto central do Shingon, descreve o universo como manifestação do Buda Cósmico. Contém instruções sobre criação de mandalas, visualizações e selos para dominar forças kármicas, atrair poder, ou até invocar manifestações iradas do Buda.
Vajraśekhara Sūtra (Kongōchōkyō)
Texto irmão do Mahāvairocana, usado para práticas de poder ritual e invocação de deidades de aspecto feroz.
Sutra do Coração (般若心経 - Hannya Shingyō)
Embora comum, é usado em práticas ocultas de transformação espiritual e de enfrentamento de entidades do ego. Em rituais secretos, o Gate Gate Pāragate Pārasamgate Bodhi Svāhā pode ser entoado como corte de laços espirituais, separação e exorcismo violento.
Muitos textos complementares de rituais de poder foram mantidos secretos nos templos de Kōyasan, Tōji e Shingon-in, não sendo amplamente traduzidos. Alguns rolos manuscritos do período Heian contêm instruções para invocação de Fudō Myōō como executor de destruição espiritual.
Casos Históricos e Lendas de Rituais Esotéricos com Finalidade Maligna
A maldição do monge En no Gyōja (século VII): fundador mítico do Shugendō, teria lançado um selo para aprisionar um daimyo corrupto usando os mantras de subjugação do Kongōkai Mandala.
Durante o Período Kamakura, relatos de templos que realizavam goma secretos para "queimar obstáculos", ou seja, rituais de fogo destinados a inimigos do clã patrono.
Lenda de Kūkai e o selo da prisão espiritual: em algumas versões, Kūkai teria selado um espírito maligno em uma caverna utilizando mudras proibidos e o mantra do Fudō Myōō, e o local foi interditado com cordas xintoístas (shimenawa).
No Shingon, mantras e mudras não são moralmente bons ou maus, mas veículos de transformação. Um mesmo mantra pode:
Proteger: ao ser entoado com intenção compassiva;
Amaldiçoar: ao ser entoado com raiva e visualizações de subjugação.
Textos Esotéricos Considerados Proibidos ou Perigosos
Além dos sutras já mencionados, existem documentos rituais mantidos em segredo em templos, muitos dos quais exigem voto de silêncio. Entre eles:
“Injiki Himitsu Hō” – um conjunto de textos de invocação de deidades iradas e rituais de subjugação (gōma) não revelados ao público.
Textos ocultos do "Sanmaya Kaidai" – tratados sobre os três mistérios aplicados à transformação forçada da realidade.
Sutras esotéricos tibetanos adotados no Japão via Shingon — como o Hevajra Tantra, trazem instruções para controle sexual, dominação energética e subjugação de inimigos, muitas vezes classificados como “veneno transformador”.
A Magia de Mão Esquerda no Budismo Shingon é um caminho oculto, reservado a iniciados, onde o poder não se julga pelo bem ou pelo mal, mas pela capacidade de moldar o invisível. Seus textos, mantras e rituais são ferramentas de iluminação e destruição — espadas de fogo que tanto cortam o ego quanto queimam inimigos espirituais. Seu verdadeiro perigo está em quem os pratica, e por quê.
Importância Simbólica e Energética do Sangue
Nas tradições ocultas orientais, o sangue é a essência vital (qi/ki) — contendo energia ancestral, identidade espiritual e conexão direta com o mundo invisível. Usar sangue em rituais significa oferecer ou manipular o destino, criando um vínculo direto entre o praticante, a vítima e as entidades invocadas. O sangue é visto como portador da alma (hun/kon) e, portanto, altamente eficaz para selos, maldições, possessões ou oferendas poderosas.
Aplicações comuns:
Mistura com cinábrio (sulfeto de mercúrio) para escrever fuda (selos) ou talismãs de maldição.
Gotejamento sobre bonecos ou objetos da vítima para vínculo espiritual.
Relatos Documentados de Rituais Obscuros
Japão – Ushi no Koku Mairi (丑の刻参り)
Registrado desde o Período Heian (794–1185), esse ritual envolve a figura da mulher traída que vai ao santuário entre 1h e 3h da manhã, com cravos nos dentes, sangue próprio e um wara ningyō, pregando-o no portão de um templo (geralmente de Kifune). Os registros do Konjaku Monogatari e crônicas folclóricas do Período Edo descrevem mortes e loucura ligadas a tais maldições.
China – Gu Shu (蠱術 / Feitiço do Veneno)
Na antiguidade (Dinastia Han), o Gu era um feitiço criado ao aprisionar insetos venenosos em um vaso até restar um só, alimentado com sangue humano ou menstrual. O sobrevivente seria o espírito da maldição. Este método, citado nos Registros do Historiador (Shiji) e nas investigações do imperador Wu de Han, resultou em centenas de execuções por “bruxaria de sangue”.
Análise de Casos Famosos e Mitos
Caso da Imperatriz Wei (China, século VIII)
Documentado nos Anais da Dinastia Tang, a Imperatriz Wei foi acusada de utilizar feitiçaria com sangue e ossos infantis para garantir sua ascensão política. Seu envolvimento com monges taoístas obscuros resultou em sua execução pública. Historiadores como Patricia Ebrey destacam o caso como um dos mais impactantes envolvendo magia cortesã.
A Mulher do Templo de Suzuka (Japão)
Mito de uma onna-miko (sacerdotisa) que, traída por um daimyo, realizou ritos sangrentos com sangue menstrual e oferendas de cabelo, invocando um kami destruidor. O mito é uma fusão de práticas esotéricas Shingon com vingança feminina, preservado em crônicas locais e contos do Ehon Hyaku Monogatari.
Práticas dos Fangshi (方士)
Estes feiticeiros chineses, ativos entre os séculos II a.C. e VI d.C., combinavam taoísmo, alquimia e magia ritual. Suas técnicas envolviam o uso de sangue de jovens virgens ou soldados mortos, com talismãs enterrados sob casas ou túmulos de inimigos. Casos foram registrados nos Textos da Montanha Tai e no Zhouli.
O Budismo, em sua face mais secreta, não nega a escuridão — ele a integra. A magia de mão esquerda é o uso controlado do caos para fins de justiça pessoal, vingança espiritual ou equilíbrio cósmico. Ela é perigosa, e por isso, restrita. Mas ela existe — em templos esquecidos, manuscritos ocultos e na mente de quem ousa caminhar entre a compaixão e o veneno.
Fontes e Referências Reais para Pesquisa e Estudo
• The Esoteric Buddhism of the Shingon Sect – Yoshito S. Hakeda
• Japanese Demon Lore: Oni from Ancient Times to the Present – Noriko T. Reider
• Onmyōdō: The Way of Yin and Yang – Helen Hardacre
• Daoist Ritual and Magic – Livia Kohn
• The Taoist Magical Canon – Kristofer Schipper & Franciscus Verellen (eds.)
• Artigos acadêmicos sobre Ushi no Koku Mairi e rituais de maldição no Japão
• Textos clássicos do Shingon, como Mahavairocana Sutra e comentários esotéricos
• Pesquisas sobre a simbologia do sangue na magia tradicional asiática
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