Yin e Yang: As Forças Primordiais da Criação - Mestra: Akane.
Segundo os ensinamentos do Dao De Jing (ou Tao Te Ching), atribuído ao sábio Laozi, e do I Ching (Livro das Mutações), dois pilares do pensamento filosófico e espiritual da China antiga, a origem do universo é descrita por meio de um processo profundamente simbólico e dinâmico que parte do Dao (Tao) — o Caminho.
O Dao é o princípio supremo, eterno e não manifestado. Não é um deus, nem uma força criadora nos moldes ocidentais, mas a origem inominável de todas as coisas. No Capítulo 42 do Dao De Jing, lê-se: "O Dao gerou o Um; o Um gerou o Dois; o Dois gerou o Três; o Três gerou os Dez Mil Seres." Esse trecho condensa uma cosmologia complexa em termos poéticos e simbólicos.
O "Um" representa a manifestação inicial do Dao — um estado indiferenciado, mas ainda assim manifestado. Em seguida, surge o "Dois", que simboliza a polaridade fundamental do universo: Yin e Yang. Esses dois princípios não são opostos absolutos, mas complementares. O Yin é a força receptiva, associada à escuridão, à terra, ao frio, à umidade, à noite e ao princípio feminino. O Yang, por outro lado, é a força ativa, ligada à luz, ao céu, ao calor, à secura, ao dia e ao princípio masculino.
A interação entre Yin e Yang não é um conflito, mas uma dança contínua e harmoniosa. Juntos, eles geram o "Três", que pode ser interpretado como o processo de mediação ou equilíbrio entre os dois — uma terceira força que torna possível o movimento e a transformação. Em algumas tradições taoistas, este "Três" também pode simbolizar o "Qi" (ou Chi), a energia vital que flui entre todas as coisas e que resulta da interação do Yin e do Yang.
Dessa interação dinâmica nasce então o mundo manifesto, os "Dez Mil Seres", expressão clássica da literatura chinesa antiga que designa a multiplicidade infinita de todas as formas de vida e fenômenos existentes. O universo, portanto, é visto como uma multiplicação contínua da unidade original, surgindo do equilíbrio e do ciclo entre forças complementares.
No I Ching, essa visão é expandida por meio de um sistema de 64 hexagramas compostos por linhas inteiras (Yang) e partidas (Yin), que representam todos os estados possíveis da existência e da transformação. O livro, que também é uma ferramenta oracular, reflete a noção de que tudo está em constante mudança, e que o entendimento do mundo deve partir da observação dessas mutações — sempre em relação entre Yin e Yang.
Essas ideias formam a base não apenas da metafísica taoista, mas também da medicina tradicional chinesa, da astrologia, das artes marciais e de diversas práticas espirituais. Em todas essas áreas, o equilíbrio entre Yin e Yang é fundamental, pois é dele que provêm a harmonia, a saúde e a própria sustentação do cosmos.
Assim, segundo a tradição chinesa antiga, o universo não começou com uma explosão ou com a criação de um deus, mas com o movimento sutil do Dao, cujos desdobramentos em Yin e Yang permitiram o surgimento do tempo, do espaço, da matéria e da vida — tudo em constante transformação, como a respiração do próprio cosmos.
Introdução ao Pensamento Cosmogônico Japonês
A visão japonesa tradicional do universo é profundamente cíclica e harmônica, enraizada em uma percepção natural do tempo e da existência como um fluxo contínuo. Essa perspectiva se reflete nas práticas espirituais do Shinto, nas escolas esotéricas do budismo japonês, como o Shingon e o Tendai, e mesmo nas artes marciais e nas formas de curas tradicionais. Ao contrário da linearidade típica do pensamento ocidental, que vê a existência como uma progressão com começo, meio e fim, a cosmologia japonesa valoriza os ciclos da natureza — como o nascimento, o florescimento, a decadência e o renascimento — como expressões da própria ordem do mundo.
No centro dessa harmonia está a presença dos Kami, espíritos ou divindades da tradição Shinto. Os Kami não são deuses distantes ou todo-poderosos, mas manifestações sutis das forças da natureza: uma montanha pode ser um Kami, assim como uma árvore, um rio ou um ancestral venerado. O Kojiki (712 d.C.), uma das mais antigas crônicas mitológicas do Japão, descreve como os Kami surgiram na criação do mundo, trazendo ordem ao caos primordial. Essa mitologia não separa o sagrado do mundano — tudo é parte de um ciclo sagrado que pode ser sentido e reverenciado.
A energia vital que permeia todos os seres e fenômenos é conhecida como Ki (ou Chi na China). Essa energia é vista como o princípio ativo que sustenta a vida, circula pelos corpos, pelas plantas, pelo vento e pelas estações. O Ki não é meramente metafórico: ele é experimentado nas práticas do Reiki, no Aikido, na respiração meditativa do Zen e nos sistemas de cura orientais. Assim como o Yin e o Yang interagem no pensamento chinês, o Ki é algo que deve fluir livremente para manter o equilíbrio e a saúde — tanto física quanto espiritual.
A espiritualidade japonesa também oferece uma distinção sutil, mas essencial, entre mito, religião e magia. O mito, como o encontrado no Kojiki e no Nihon Shoki, é o alicerce narrativo que dá sentido ao mundo. Ele explica as origens do Japão, dos Kami e do imperador como descendente da deusa solar Amaterasu. O Shinto, por sua vez, é uma religião prática e ritualística, centrada na pureza, na reverência aos ciclos da natureza e na manutenção da harmonia entre o humano e o espiritual. Seus ritos incluem oferendas, danças sagradas (kagura), purificações com água e fogo, e festivais que marcam as estações.
Já a magia no Japão tradicional aparece entre as frestas da religião e do folclore — com práticas como o uso de talismãs (omamori), selos protetores (ofuda), conjurações (onmyōdō) e rituais de adivinhação. Muitas dessas práticas, embora reconhecidas como parte da religiosidade popular, não são centralizadas ou dogmáticas. Em vez disso, a magia no Japão é uma forma de interação prática com o invisível — usada para proteção, para atrair sorte, para curar, ou mesmo, em casos mais sombrios, para amaldiçoar, como se vê no famoso ritual do Ushi no Koku Mairi.
Essas três esferas — mito, religião e magia — se entrelaçam de maneira fluida na tradição japonesa. Não há uma separação rígida entre o que é “crença” e o que é “prática”. O japonês tradicional vivencia o sagrado como parte do cotidiano, onde o respeito pelos Kami, o fluxo do Ki e a vivência dos ciclos naturais formam um tecido contínuo que envolve corpo, mente e espírito. A harmonia cósmica não é uma abstração filosófica, mas algo cultivado nos ritos sazonais, na reverência à natureza, e no modo como cada gesto — até mesmo o de servir chá — pode ser uma forma de sintonizar-se com o ritmo do universo.
Ordem e Caos na Criação Japonesa: Izanami e Izanagi
O Caos Primordial e o Nascimento do Mundo
No princípio, segundo o Kojiki, o mundo era uma massa indistinta, um caos flutuante como o óleo sobre as águas. Nada tinha forma, nada se movia com propósito. Desse caos surgiu o Céu Alto (Takamagahara) e, com ele, os primeiros kami espontaneamente nascidos. Entre eles, surgiram Izanagi e Izanami, irmãos e consortes, incumbidos pelos deuses ancestrais de dar forma ao mundo. Com uma lança sagrada, Ame-no-Nuboko, eles agitaram o oceano primitivo. Quando retiraram a lança, gotas caíram e solidificaram-se, formando a primeira ilha: Onogoro-jima.
O Pilar do Mundo e a Dança da Criação
Izanagi e Izanami desceram à nova terra e construíram um palácio, no centro do qual ergueram o Ame-no-mihashira, o Pilar Celeste. Ao redor dele, os dois realizaram um ritual de casamento, caminhando em sentidos opostos. Quando se encontraram, Izanami falou primeiro — e o nascimento dos filhos resultou imperfeito. Os deuses instruíram o casal a refazer o rito: agora Izanagi falaria primeiro. Repetido corretamente, o ritual trouxe equilíbrio, e a dança ao redor do pilar deu origem às oito ilhas do Japão. Assim, da união ritual e da ordem simbólica, o mundo ganhou forma.
A Morte de Izanami: A Quebra da Harmonia
Mas nem tudo se mantém em harmonia. Após dar à luz ao deus do fogo, Izanami foi consumida pelas chamas e morreu, descendo ao mundo dos mortos, Yomi. Izanagi, desesperado, foi atrás dela. Lá, nas sombras do submundo, encontrou-a desfigurada, em decomposição. Ao tentar fugir, horrorizado, Izanami gritou que traria a morte a mil seres por dia. Izanagi, em resposta, declarou que faria nascer mil e quinhentos a cada amanhecer. Assim, a dualidade entre vida e morte, criação e destruição, passou a reger o mundo.
A Purificação de Izanagi: O Retorno à Ordem
Após escapar de Yomi, Izanagi sentiu-se impuro e corrompido. Para restaurar o equilíbrio, banhou-se em um rio sagrado, praticando o primeiro ritual de misogi, ou purificação. Ao lavar seu rosto, surgiram novos kami: do olho esquerdo, nasceu Amaterasu, a deusa do sol; do olho direito, Tsukuyomi, o deus da lua; e do nariz, Susanoo, o deus das tempestades. Assim, da água e do rito de limpeza, renasceram a luz, o ciclo do tempo e o movimento dos céus — e o mundo, abalado pela morte e o caos, voltou à ordem por meio do sagrado ato de purificação.
Referências:
Shingon: Japanese Esoteric Buddhism – Taiko Yamasaki
Esoteric Buddhism and the Tantras in East Asia – Charles D. Orzech, Henrik Sørensen & Richard Payne (eds.)
Tantric Buddhism in East Asia – Richard K. Payne
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