A transitoriedade da Vida no Xamanismo Coreano. Responsável: Neófita Chris.

 


A Transitoriedade da Vida no Xamanismo Coreano

A impermanência é uma verdade fundamental reconhecida no Muism, embora não seja o foco de uma "meditação" formal. Ela é vivenciada e compreendida de várias formas:

Ciclos da Natureza: O xamanismo coreano está profundamente ligado aos ciclos da natureza (estações, colheitas, nascimento e morte de seres vivos). A própria vida é vista como parte de um ciclo maior de renovação e fim. As oferendas aos deuses da montanha (Sanshin) e aos espíritos da natureza reiteram a dependência humana desses ciclos e a transitoriedade da existência individual em contraste com a continuidade da vida na natureza.

A Fragilidade da Vida Humana: O Muism lida constantemente com doenças, infortúnios e desastres, que são vistos como manifestações de desequilíbrio ou intervenção espiritual. A doença e a morte repentina são lembretes constantes da fragilidade da vida e da inevitabilidade do fim.

O Conceito de Han (한): O Han é um sentimento complexo de tristeza profunda, ressentimento e injustiça acumulada, muitas vezes decorrente de uma vida de sofrimento ou uma morte injusta. A existência do Han e a necessidade de sua resolução (inclusive para gwisin, os fantasmas errantes) são uma prova viva da transitoriedade e das consequências não resolvidas da vida. A libertação do Han é uma forma de aceitar e transcender a impermanência.

Rituais de Passagem: Casamentos, nascimentos e, principalmente, os rituais funerários (Jangnye) e os rituais para os ancestrais (Jesa) e para os mortos (Hon-gut ou Chinogwi-gut) servem como momentos de reconhecimento da transitoriedade. Eles marcam o fim de um estágio e a passagem para outro, reafirmando que nada é permanente.

O Poder da Morte no Xamanismo Coreano

A morte no xamanismo coreano não é apenas um fim, mas uma força poderosa e transformadora. Ela é um domínio que exige respeito e intermediação:

A Morte como Portal: A morte é o portal para o mundo espiritual, especialmente o submundo (Hanyeok ou Jiogye, influenciado pelo budismo). Esse reino é governado por forças poderosas como o Rei Yeomna e seus mensageiros, os Jeoseung Saja. O poder da morte reside na sua capacidade de determinar o destino da alma.

Intermediação do Mudang: Os mudang são os principais intercessores com o mundo dos mortos. Através de seus rituais (gut), eles invocam os espíritos dos falecidos, o Jeoseung Saja e até os deuses do submundo para:

o Guiar Almas: Ajuda os Hun (almas espirituais) a encontrar seu caminho para o pós-vida, garantindo uma transição pacífica.

o Apaziguar Fantasmas (Gwisin): Lidam com as almas que não conseguiram transitar (os Baek que se tornaram Gwisin). O poder da morte é evidente aqui, pois a não-aceitação ou a injustiça na morte cria espíritos problemáticos que precisam ser apaziguados e "enviados" para seu devido lugar.

o Resolver Han: A morte revela o Han não resolvido. Os mudang usam seu poder para ajudar os vivos a resolver o Han dos mortos, libertando tanto o falecido quanto os vivos de suas amarras emocionais. Isso demonstra o poder da morte de continuar a influenciar o presente.

o Adivinhação e Cura: Às vezes, o mudang pode consultar os espíritos dos mortos para obter conselhos ou para identificar a causa de doenças, mostrando que o poder da morte se estende à sabedoria e à cura no mundo dos vivos.

Força Inevitável e Universal: O poder da morte é reconhecido como universal e inevitável. Ninguém pode escapar dela. Os rituais não visam "derrotar" a morte, mas sim honrá-la, cooperar com suas leis e garantir que ela ocorra de forma harmoniosa, minimizando o sofrimento e garantindo a paz do falecido e de seus descendentes.

Vivenciando a Reflexão

A "meditação" sobre a transitoriedade e o poder da morte no Xamanismo Coreano é, portanto, mais uma vivência ritualística e comunitária do que uma prática individual silenciosa. Ela é encenada através de:

Narrativas e Canções Xamânicas: Que contam as histórias dos deuses do submundo, das jornadas das almas e das consequências de uma vida (e morte) vivida sem retidão.

Dança e Música: Que criam um ambiente transe-like onde os mundos se encontram e a efemeridade da vida é sentida intensamente.

As Próprias Experiências dos Mudang: Que frequentemente compartilham histórias de suas interações com o mundo dos mortos, reforçando a realidade e o poder da morte.

Em vez de uma meditação passiva, é um engajamento ativo com os domínios da morte, buscando harmonia e entendimento para garantir a continuidade da vida e a paz das almas.

No xamanismo coreano (Muism), o uso de velas, em geral, é comum em rituais para iluminar o espaço sagrado, invocar espíritos e concentrar a energia. No entanto, o uso específico de velas negras e brancas juntas em rituais de encerramento, com uma conotação de "ceifa energética" como em algumas vertentes de bruxaria ocidental, não é uma prática proeminente ou tradicionalmente documentada no Muism.

Simbolismo das Cores no Xamanismo Coreano

As cores têm simbolismo no Muism, mas não da mesma forma que em panteões como o da Umbanda ou Candomblé, ou na magia cerimonial ocidental.

* * Velas Brancas:*

o No contexto coreano, a cor branca é profundamente associada à pureza, luto e renascimento. As vestes tradicionais de luto são brancas. Velas brancas são muito comuns em rituais para os ancestrais e para os mortos, simbolizando a pureza da alma, a paz e a luz que guia o caminho do falecido para o pós-vida. Elas também representam a conexão com o divino e a purificação.

o Em rituais de encerramento, uma vela branca poderia simbolizar a purificação do espaço ou da pessoa, a liberação de energias negativas para a luz, ou o fim de um ciclo de forma pacífica e harmoniosa.

Velas Pretas:

o A cor preta, em geral, é menos utilizada ou não tem o mesmo simbolismo multifacetado que em algumas tradições ocidentais. Em contextos ocidentais de "bruxaria" e magia, a vela preta é frequentemente associada a proteção, banimento de negatividade, absorção de energias indesejadas, quebra de feitiços e transformação. Ela é vista como uma cor que absorve e transmuta o negativo.

       No Muism, se usada, a cor preta em rituais de encerramento poderia ter uma conotação de absorção do mal ou de algo que precisa ser completamente finalizado e removido. Contudo, essa associação direta com velas pretas em "feitiços de corte" ou "ceifa energética" (drenagem de energia de alguém) é incomum e não faz parte do cerne das práticas xamânicas coreanas tradicionais.

Ritos de Encerramento no Xamanismo Coreano

Os rituais de encerramento no Muism são complexos e visam principalmente:

* _ Libertação de Gwisin (fantasmas):_ Rituais como o Chinogwi-gut são realizados para ajudar almas que não conseguiram transitar (os gwisin) a encontrar seu caminho para o pós-vida, apaziguando seu han (rancor/tristeza acumulada) e encerrando sua ligação com o mundo dos vivos.

* _ Purificação e Expulsão de Infortúnios:_ Rituais podem ser feitos para "cortar" ou "expulsar" o azar, doenças ou influências malignas de uma pessoa ou comunidade.

Nesses rituais, os elementos comuns incluem:

Oferendas: Comida, bebida, incenso para os espíritos.

Música e Dança: Ritmo hipnótico para induzir o transe do mudang e invocar os espíritos.

Invocações e Orações: Chamados aos deuses, ancestrais e espíritos.

Objetos Rituais: Papéis simbólicos (como bujeok - talismãs), roupas do falecido, ou pequenos bonecos de palha/papel para absorver e descartar a negatividade (como mencionado anteriormente).

A função do Jeoseung Saja nesses rituais não é ser controlado, mas sim ser honrado e reconhecido como o mensageiro que leva as almas. Oferendas a ele são feitas para garantir uma passagem suave, não para usá-lo em um " corte energético " de outras pessoas.

O Limiar da Morte: A Separação e a Jornada

Para a alma, a morte não é um ponto final, mas o início de uma complexa transição:

1. A Separação da Alma: A crença na alma dividida em Hun (혼), a alma espiritual (que ascende), e Baek (백), a alma corporal (que permanece com o corpo), estabelece o primeiro limiar. A morte é o momento em que o Hun se desliga do Baek e do corpo físico, tornando-se livre para iniciar sua jornada.

2. A Chegada do Jeoseung Saja: Este é o primeiro guardião do limiar. Quando o momento de uma pessoa morrer chega, o Jeoseung Saja , o Ceifador ou Mensageiro do Submundo, aparece. Ele não mata a pessoa, mas sua presença marca a inevitabilidade da transição. Ele é o guia que leva a alma para fora do reino dos vivos. Em algumas lendas, ele carrega o Jeokpaeji (적패지), uma lista de nomes em um pano vermelho, confirmando o destino da alma.

3. A Jornada para o Submundo (Jiogye - 지옥계): Após ser colhida pelo Jeoseung Saja, a alma é conduzida através de um caminho árduo até o submundo. Esse caminho pode envolver cruzar rios ou passar por paisagens desafiadoras. O Jeoseung Saja atua como um psicopompo, ou seja, um guia de almas, garantindo que a alma não se perca e chegue ao seu destino apropriado.

O Jeoseung Saja e a Justiça para o Renascimento

Uma vez no submundo, o papel do Jeoseung Saja se conecta diretamente com o conceito de justiça cármica e o renascimento, elementos fortemente influenciados pelo budismo.

1. Entrega aos Juízes: O Jeoseung Saja não julga a alma. Sua função é entregar a alma ao Rei Yeomna (염라대왕) e aos outros Dez Reis do Submundo (십대왕). Esses deuses são os verdadeiros guardiões do limiar do julgamento. Eles examinam o karma (ações boas e más) acumulado pela alma durante sua vida.

2. O Julgamento Cármico: A alma passa por uma série de julgamentos, cada um presidido por um dos reis, que avaliam diferentes aspectos de sua conduta moral. É aqui que a justiça é aplicada. A soma das ações determina o destino da alma.

3. Determinação do Renascimento: Com base no julgamento do karma, o Rei Yeomna e seus auxiliares determinam o próximo estágio da existência da alma. Isso pode ser:

                  Renascimento: A alma é enviada de volta ao ciclo de Samsara (윤회) para renascer em um dos seis reinos (deuses, asuras, humanos, animais, espíritos famintos, infernos), de acordo com seu mérito. O Jeoseung Saja, embora não seja o decisor, é parte do sistema que facilita esse fluxo.

                    Purificação: Se a alma acumulou karma negativo, ela pode ser enviada para passar por períodos de purificação nos "infernos" budistas, que são vistos como lugares de correção, não de condenação eterna. Após a purificação, a alma terá a chance de renascer.

4. Papel Indireto no Renascimento : O Jeoseung Saja , portanto, não causa o renascimento, mas é o agente essencial que permite o processo. Ao guiar a alma para o julgamento, ele garante que ela alcance o ponto onde seu destino de renascimento possa ser determinado e ativado. Sem o Jeoseung Saja , a alma ficaria presa no limiar entre os mundos, incapaz de seguir seu caminho para o próximo ciclo de vida.

A Conexão Espiritual

A conexão espiritual com o limiar, manifestada através do Jeoseung Saja , reflete uma profunda compreensão da interconectividade da vida e da morte:

Incerteza e Destino: Ele personifica a inevitabilidade da morte, mas também a esperança de que, através de um processo justo, a alma encontrará seu devido lugar.

Significado Ritualístico : Em rituais xamânicos ( gut ), especialmente aqueles para os mortos ( Chinogwi-gut ), o Jeoseung Saja pode ser honrado e apaziguado com oferendas para garantir que ele cumpra seu papel de guia de forma favorável, auxiliando a alma do falecido a atravessar o limiar e encontrar a paz no renascimento.

      Em essência, o Jeoseung Saja é a ponte entre a vida e o pós-vida, o guia que assegura que a alma cruze o limiar da morte, enfrente a justiça de suas ações e, finalmente, seja direcionada para o ciclo de renascimento que a espera.

     No xamanismo coreano, as velas são usadas para iluminar, purificar e guiar a alma, funcionando como elo entre o mundo físico e espiritual, mas o uso específico de velas negras e brancas em rituais de “ceifa energética”, comum em algumas tradições ocidentais, não é uma prática central do Muism. O foco está na harmonia, no apaziguamento dos espíritos e na transição pacífica da alma para o pós-vida, com a vela branca simbolizando a luz orientadora e o Jeoseung Saja representando as forças da morte que conduzem a alma pelo limiar do renascimento, em uma visão moldada pela fusão de crenças xamânicas e budistas.

Comentários

Postagens mais visitadas