Stregheria — A Bruxaria Italiana. Por Sacerdotisa Akane.

 

Stregheria (às vezes chamada Italian Witchcraft ou La Vecchia Religione, “A Velha Religião”) é uma tradição neopagã que busca resgatar vestígios de práticas mágicas e espirituais italianas, misturando folclore popular, cultos pré-cristãos (como dos etruscos), crenças rurais, elementos do catolicismo popular e práticas modernas de magia. 

O nome “stregheria” deriva da palavra italiana “strega/streghe”, que significa bruxo/bruxa. É diferente de “stregoneria” (termo italiano comum para bruxaria) em alguns usos, embora as fronteiras entre ambas às vezes fiquem confusas. 

Origens e Lendas Centrais

A figura central é Aradia di Toscano / Arádia. Segundo Raven Grimassi, Aradia teria vivido no século XIV, na Toscana, e sido enviada pela Deusa Diana para ensinar bruxaria aos humanos e reviver a antiga religião pagã. Antes de Grimassi, Charles G. Leland, no seu livro Aradia, or the Gospel of the Witches (final do século XIX), narrava Aradia como uma figura mítica/lendária ligada a cultos de bruxas na Toscana, mesclando folclore, contos populares e talvez elementos inventados. 

Grimassi afirma que Stregheria tem raízes mais antigas, especialmente nos etruscos, depois nos costumes populares da Toscana e de outras regiões rurais da Itália. Ele fala de clãs (Triad Clans: Tanarra, Janarra e Fanarra) como linhagens que fundamentam a transmissão do saber. 

Crenças e Divindades

O culto à Deusa Diana é central Diana Nemorensis (uma forma de Diana ligada ao lago de Nemi) sendo especialmente importante. Ela é associada à Lua, à natureza selvagem, ao poder feminino e às forças mais antigas da terra. O Deus consorte é chamado por vários nomes, por exemplo “Lucifero” em algumas tradições atuais (não necessariamente no sentido cristão de “diabo”, mas como portador da luz, da revelação, do conhecimento oculto). Também há referências ao Deus de chifres ou divindades masculinas da natureza. 

Aradia, como figura mítica/humana/divina, às vezes é vista como “Strega Sagrada”, mestra, profetisa, mensageira entre divindades e humanos, ou símbolo de liberdade espiritual. Ela ensinou os mistérios, promoveu os ritos e fundou clãs que preservam o conhecimento. 


Dianus e a Cosmologia da Stregheria

Dentro da Stregheria, a tradição de bruxaria italiana, o coração do culto está voltado à Deusa, chamada em diferentes regiões de Diana ou Tana. Ela é a Senhora da Lua, da magia e dos mistérios noturnos, mas também é a força da natureza que gera e transforma.

Ao lado dela encontramos Dianus (também identificado como Janus em alguns ritos). Ele é o Deus solar, senhor das encruzilhadas e dos portais do tempo. Seu nome evoca a dupla face uma voltada ao passado e outra ao futuro  representando o ciclo da vida, da morte e do renascimento.

Essa união de Diana e Dianus expressa o equilíbrio fundamental da Stregheria:

A Deusa governa a lua, o mistério, a intuição, a feitiçaria e o ventre da criação.

O Deus governa o sol, os caminhos, as transições e a renovação da vida.

Da união desses dois princípios nasce Aradia, considerada filha ou mensageira da Deusa. É ela quem, segundo o Evangelho das Bruxas de Charles Leland (1899), vem ao mundo para ensinar aos humanos a arte da bruxaria e a resistência contra a tirania.

Portanto, Dianus faz parte da Stregheria não de forma isolada, mas como o contraponto divino da Deusa — juntos eles formam a polaridade que sustenta a tradição. A Deusa é o mistério profundo; o Deus é a chave que abre seus portais.


 Estrutura de Prática: Tradições, Clãs, Rituais

Práticas iniciáticas: Embora existam praticantes solitários, muitas formas da Stregheria valorizam iniciação em grupos/clãs. Grimassi descreve graus ou níveis de entendimento progressivo. Clãs ou linhagens: Triad Clans (Fanarra, Tanarra, Janarra) são mencionados como os principais. Também há tradições como a Aridian Tradition (mistura dos três clãs para trazer o ensinamento de volta), e outras linhagens ou grupos derivados espanhóis-americanos ou ítalo-americanos. 

Rituais e celebrações:

Ceia sagrada ou refeição ritualística (às vezes chamada Treguenda), especialmente em momentos lunares ou nos Sabbats. 

Celebrações da Lua cheia, lua nova, ciclos lunares são importantes para manifestações de poder e rituais comunitários. 

Festivais sazonais (estações, colheitas) quando aplicável; renovação espiritual ligadas a marcadores da natureza. Ferramentas simbólicas: Altares, velas, incensos, objetos naturais como pedras, ervas, elementos da natureza e possivelmente símbolos como pantáculos ou outros símbolos de proteção ou poder. 


Ética, Filosofia e Modo de Vida

Stregheria valoriza o respeito à natureza, aos ancestrais, aos ciclos de vida, morte e renovação. Muitas práticas trazem uma forte conexão com o lugar (região, natureza local) e com a história pessoal ou familiar. Existe uma filosofia de magia responsável: Ações têm consequências, poder pessoal, liberdade espiritual são metas, mas com consciência. Grimassi fala de manter antigos mistérios e adaptando, mas não removendo e “sempre adicionar, nunca remover” é uma frase associada à sua abordagem. 

Sincretismo: Muitos praticantes misturam elementos de catolicismo popular (santos, orações, símbolos cristãos), magia popular italiana, crenças locais, etc. O folclore italiano é bastante vivo nessa tradição.


 Críticas, Dúvidas Históricas e Cuidados

Muitos estudos de apontam que várias das afirmações de Grimassi sobre historicidade (por exemplo, existência concreta de Aradia ou transmissão contínua dos clãs através dos séculos) não têm confirmação documental sólida. Há uma mistura de mito, reconstrução e literatura espiritual. 

A influência da Wicca moderna: Embora Grimassi tente distinguir Stregheria de Wicca em muitos pontos, há claramente elementos que se aproximam (panteão de deusa e deus, celebrações lunares, ritos de sabbat, prática iniciática). É importante reconhecer essas influências para entender o que é “tradicional” e o que é reconstruído e o que é adaptado. 

Autenticidade vs adaptação: Muitos praticantes modernos adaptam a Stregheria às suas realidades culturais, espirituais, ecológicas. Isso nem sempre é erro muitas tradições vivas fazem isso, mas é bom manter discernimento e saber de onde vêm certas ideias, que partes são reconstruções literárias e que partes são práticas continuadas.

A Stregheria encanta por sua beleza e raízes ancestrais, mas como toda tradição de bruxaria verdadeira ela também guarda um lado mais sombrio, misterioso e até temido. Esse “lado negro” não é apenas sobre maldições ou feitiçaria destrutiva  é, sobretudo o reconhecimento de que a natureza possui ciclos de criação e de morte, de luz e de sombra, e que o bruxo ou bruxa precisa aprender a caminhar por ambos.

Na tradição italiana encontramos histórias de streghe que dominavam a arte de curar, mas também a arte de enfeitiçar que podiam trazer fertilidade à terra, mas também lançar o “malocchio” o olhar maléfico. O lado negro da Stregheria está ligado à força crua da Terra e dos espíritos às entidades que habitam as encruzilhadas e as sombras da noite e ao poder de manipular a energia de formas que nem sempre são suaves.

A jornada mística por esse lado envolve:

Enfrentar os próprios medos e sombras internas, entendendo que não há luz sem trevas.

Compreender a magia de Saturno, do fim dos ciclos e da dissolução e que prepara o terreno para o renascimento.

Trabalhar com espíritos e ancestrais que nem sempre são benevolentes, mas que trazem ensinamentos ocultos e forças transformadoras.

O respeito pelo poder da maldição, não como algo banal, mas como uma faca de dois gumes que exige consciência e responsabilidade.

Esse caminho sombrio da Stregheria não deve ser visto com medo, mas com reverência. Ele revela que a bruxaria não é apenas sobre flores e bênçãos, mas também sobre o fogo que destrói para renovar, a noite que guarda segredos, o feitiço que impõe justiça.

A Stregheria não é apenas uma tradição de bruxaria ela é um chamado para reconectar-se com as raízes, com a terra, com o sagrado que pulsa na ancestralidade italiana e que ainda respira no mundo moderno. É uma trilha que mistura magia prática, mistério, mito e cultura oferecendo tanto ferramentas para feitiços e rituais quanto um caminho profundo de autoconhecimento e espiritualidade.

Para quem sente esse chamado, o início é simples e ao mesmo tempo transformador:


 Cultive uma mente curiosa, aberta ao encanto dos mitos e ao poder dos símbolos.

 Aprenda a perceber a diferença entre o que é pesquisa histórica e o que é tradição espiritual revestida de poesia e mistério.

 Caminhe devagar, em prática gradual, respeitando seus próprios ritmos e honrando a natureza ao redor e reconhecendo seus limites pessoais como parte da jornada.

Cada passo nesse caminho é uma porta que se abre para a magia, para a cultura e para a alma. É nesse equilíbrio entre o sagrado e o perigoso, entre o mistério e a revelação, que a verdadeira força da Stregheria se manifesta.


No contexto da bruxaria italiana (Stregheria), a tarantela aparece como:

Dança ritual: movimentos circulares, giros e batidas de pés evocam a energia da terra e criam um campo de poder.

Transe mediúnico: ao dançar até a exaustão, a pessoa entra em contato com forças espirituais ou com a própria Deusa Diana.

Magia de cura: a “tarantolata” (dança para expelir o veneno) simboliza também expulsar maus espíritos, melancolia e energias pesadas.

Eco de antigos cultos dionisíacos: muitos estudiosos veem na tarantela uma continuação popular das danças de êxtase ligadas a Dionísio e às ménades, reabsorvidas no folclore cristianizado.


Livros fundamentais

Raven Grimassi – Italian Witchcraft: The Old Religion of Southern Europe

Raven Grimassi – Hereditary Witchcraft: Secrets of the Old Religion

Charles Leland – Aradia, or the Gospel of the Witches (1899)

Sabina Magliocco – Witching Culture: Folklore and Neo-Paganism in America

Leo Louis Martello – Witchcraft: The Old Religion

Thomas Grimaldi – Italian Folk Magic: Rue’s Kitchen Witchery

Mary-Grace Fahrun – Italian Folk Magic: Healing, Spells, & Witchcraft of the Old World

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