A religiosidade egípcia. - Neófita: Thaís Pinheiro.




 Introdução


Esta aula é uma porta para o pensamento egípcio. Leiam não apenas com os olhos, mas como se ouvissem o som do Nilo, assistissem ao nascer do Sol e sentissem o murmúrio dos deuses.


O que é cosmogonia?


Cosmogonia deriva do grego kosmogonia e significa criação do mundo. A palavra é composta por kosmos, mundo ou Universo, e gonia, geração ou nascimento.

A cosmogonia é composta por mitos e tradições culturais que buscam narrar a origem de tudo, muitas vezes atribuindo esses feitos a elementos metafísicos, como forças sobrenaturais e divindades. Nesse sentido, diferentes culturas apresentam as próprias cosmogonias, a exemplo da egípcia, da grega, da hindu, da tupi etc.


A essência da religiosidade egípcia


Os habitantes do Egito Antigo eram politeístas, ou seja, cultuavam várias divindades. Por meio da religião, eles entendiam e justificavam fenômenos da natureza, como o nascer e o pôr do Sol.


O politeísmo egípcio não era um caos de deuses, mas uma teia simbólica na qual cada divindade expressava um aspecto do cosmos e da ordem divina.


Os cultos voltavam-se a dois objetivos principais: manter a ordem estabelecida no todo (Maat) e conquistar a salvação.


Observação: durante a XVIII dinastia (de 1550 a.C. a 1295 a.C.), do Faraó Akhenaton, imperou a crença monoteísta no Egito. Nesse período, a autoridade em questão destronou todas as deidades e sacerdotes para adoração única a Áton, a personificação do Sol.


Os egípcios acreditavam na vida após a morte. Para eles, esta não representaria o fim, mas sim a passagem para outra etapa. Havia grande busca pelo espaço no chamado outro mundo, onde seria obtida a vida eterna, por isso os egípcios desenvolviam ritos funerários e demonstravam muito respeito pelos mortos.


Se os devidos cuidados fossem tomados com o corpo após a morte física, se o corpo se encontrasse no túmulo e todos os rituais funerários fossem seguidos à risca, então a pessoa poderia almejar a vida eterna. Não se considerava heresia nem presunção desejar a imortalidade.


O papel das divindades no cotidiano egípcio


Para os egípcios, o sagrado não estava distante, não se restringia a templos ou ritos funerários. Ele habitava o ciclo das águas, o trabalho, o governo, a colheita etc., envolvendo todos os setores da sociedade. Ler sobre os deuses do Egito é descobrir como a religião podia estar presente até no gesto mais comum.


Os mitos relacionados aos deuses regiam a vida dos egípcios de todos os estratos sociais, fundamentando, inspirando e justificando as situações do cotidiano. Podemos destacar a importância da tríade divina Osíris-Ísis-Hórus, que constituiu um modelo familiar no qual a sociedade se espelhava em busca do equilíbrio.


A religiosidade egípcia era muito conectada à figura do faraó, tido como uma espécie de semideus. Acreditava-se que essa autoridade era a encarnação viva de Hórus e que, após a morte, tornava-se um com Osíris, o deus dos mortos.


Devido a essa associação, era como se os faraós estivessem acima do bem e do mal, devendo satisfações apenas aos deuses. Essa figura de poder era, portanto, encarregada de fazer a ponte, a mediação, entre a população e os deuses.


As diferentes cosmogonias egípcias

Antes da unificação do Egito, o culto a divindades era praticado em todos os nomos (províncias ou divisões do território). Cada área oferecia cultos a deuses ou animais sagrados, sem que houvesse uma união coesa entre todos eles. Essa pluralidade não era contraditória, mas integradora.


Os mitos eram difundidos para embasar a vida dos primeiros deuses, vinculados à fundação do mundo. Essas histórias explicavam o surgimento da Terra, do céu e da humanidade, além de auxiliarem na compreensão do funcionamento das estruturas sociais familiares e estatais. Os mitos egípcios que conhecemos são variações de múltiplas versões. Não podemos definir quais são  originais nem até que ponto foram mesclados.


Os mitos mais populares que explicam o aparecimento dos primeiros deuses e a criação do mundo estão vinculados às cidades de Hermópolis, Heliópolis, Mênfis, Tebas e Elefantina. As histórias possuíam diferentes versões, mas convergiam para a ideia de um caos primordial, defendendo que cada parte do mundo criado era a manifestação dos deuses.


Hermópolis

Em Hermópolis (Cidade de Hermes), havia o panteão de oito deuses (também chamado de ogdóade), formado por quatro casais: 


→ Nun e Naunet – o caos, as águas primordiais, de onde tudo vem;

→ Heh e Hehet – o infinito e a eternidade;

→ Keh e Kauket – as trevas e a escuridão;

→ Amon e Amaunet – o oculto, o ar e o desconhecido.


A partir deles, teriam sido criadas todas as coisas, inclusive a humanidade.


Heliópolis

Em Heliópolis, havia o panteão das nove divindades, a enéade de Heliópolis, que se tornou a mais importante cosmogonia do Egito Antigo.


→ Atum – o deus Sol (que posteriormente se tornou Atum-Rá).

→ Shu – o ar.

→ Tefnut – a chuva, a umidade.

→ Geb – a terra.

→ Nut – o céu.

→ Osíris – o submundo.

→ Ísis – a divindade do trono.

→ Seth – o caos.

→ Néftis – aquela paralela a Ísis (seu simbolismo ainda é envolvido em muito mistério; a partir da relação entre Osíris e Néftis, disfarçada como Ísis, é gerado Anúbis).


De acordo com essa cosmogonia, o caos primordial era a água (Num). Atum (o Sol) surgiu de uma colina na terra e criou o primeiro casal (Shu e Tefnut, ar e umidade) a partir de três teorias (o escarro, a masturbação ou a pronúncia do nome). Deles nasceram Geb e Nut, a terra e o céu. Esse casal de irmãos gerou quatro filhos, Seth, Néftis, Osíris e Ísis.


Mênfis

Em Mênfis, centro político e religioso, dominava uma tríade familiar composta por Ptah (ou Ptá), sua esposa Sekhmet (ou Sacmis) e seu filho Nefertum.


Ptah era considerado a divindade suprema, responsável pela criação de todas as coisas e das demais deidades por meio da fala, pois o que desejava era criado pela palavra. 


Observação: Mênfis concentrava a narrativa em Ptah, mas não rejeitava a enéade de Heliópolis.


As diferentes representações das divindades


A religiosidade egípcia apresenta duas formas centrais de representação:


→ zoomórfica: atribuição de características animais a humanos;

→ antropomórfica: atribuição de características humanas a animais.


Inicialmente, as divindades egípcias eram representadas como animais. Por todo o território egípcio, havia animais considerados sagrados, a exemplo do boi Ápis. Eles eram associados às principais divindades por meio dos seus atributos naturais, em uma tentativa de definir um poder divino global valendo-se de elementos concretos. 


Muitas vezes, esses animais eram mumificados e oferecidos aos deuses ou sepultados com os mortos para os protegerem no Duat (o submundo).


Posteriormente, foram incorporados os deuses híbridos (com partes humanas e animais) e os com forma humana. A adoração a deuses antropomórficos não é uma evolução da adoração a deuses zoomórficos, mas sim uma variante.


Apesar dessas diversas formas de representação, os egípcios acreditavam que a verdadeira forma dos deuses era desconhecida da maioria dos homens, sendo revelada apenas se a divindade desejasse.


Comparando as três formas de representação, temos:


→ forma animal: representa a essência arquetípica e instintiva do deus;

→ forma híbrida: expressa a união entre o humano e o divino, ou a atuação da divindade no mundo dos homens;

→ forma humana: indica aproximação, antropomorfização.


A seguir, veja as formas de representação das principais divindades do panteão egípcio.


→ Ptah: durante muito tempo, foi representado como homem, mas posteriormente seu culto foi associado ao boi Ápis.

→ Atum: geralmente um homem usando a coroa branca do alto Egito e a vermelha do baixo Egito.

→ Rá: um falcão ou um homem com cabeça de falcão, tendo, acima dela, um disco solar e a serpente Uraeus.

→ Shu: um leão ou um homem barbado usando na cabeça uma pena simples ou quatro longas plumas.

→ Tefnut: uma leoa ou uma mulher, às vezes com cabeça de leoa, usando na cabeça o disco solar e a serpente Uraeus.

→ Geb: um ganso ou um homem barbado, de pele verde ou não, com um ganso sobre a cabeça.

→ Nut: uma mulher com asas abertas ou fechadas junto ao corpo; uma mulher nua, de corpo alongado, com pele azul e o corpo coberto de estrelas.

→ Osíris: um homem barbado, de pele verde ou preta, em forma de múmia, usando a coroa atef.

→ Ísis: uma mulher com asas abertas; uma mulher com um trono sobre a cabeça (também aparece com chifres de vaca e um disco solar sobre a cabeça).

→ Hórus: um falcão ou um homem com cabeça de falcão.

→ Seth: um homem com a cabeça de um animal indefinido ou uma representação completa desse animal (parecido com um bode, um burro ou um cão de longo focinho e orelhas compridas).

→ Néftis: uma mulher usando um longo vestido e portando, como coroa, um hieróglifo de seu nome.


Conclusão


Para os egípcios, cada mito, rito e representação era uma tentativa de traduzir o inefável. Ao reconhecerem o sagrado em cada aspecto da natureza, eles nos proporcionaram uma visão integradora: uma religião que não separa o humano do cósmico, nem o espiritual do cotidiano.


Após esse encontro, talvez o que mais nos impressione seja a familiaridade das perguntas: como nasce o mundo? De onde vem a ordem? O que impede o caos de dominar?


O culto aos deuses era, em última instância, o culto à própria existência, uma forma de dizer, diante do tempo e da morte, que o mundo permanece porque nós o mantemos vivo.


Bibliografia


EGITO Antigo: arte, cultura, filosofia. São Paulo: Editora Escala, [s. d.], 130 p.


FILHO, Jaime Florencio de Assis. O Antigo Egito e seus deuses. Revista do Clube Naval , [s. l.], v. 2, n. 398, p. 32-37, set. 2022.


LIMA, Bruna Rafaela de. Retratos de Ísis: representações do culto isíaco no Egito faraônico. 2015. 45 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História) - Centro de Humanidades, Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande.


NETTO, Ismael Sá. Panteão Egípcio. O Fascínio do Antigo Egito , [s. l.], c2023. Disponível em: https://www.fascinioegito.sh06.com/panteao.htm.


RAIMUNDO, Paulo. A religião egípcia . Universidade Aberta, Santarém, 2009.

Comentários

Postagens mais visitadas