Hades. - Por: Sacerdotisa Akane.
O Senhor das Sombras e o Guardião das Riquezas Ocultas
Entre os véus do tempo, nas profundezas do mundo invisível, repousa o reino de Hades, não o inferno temido das religiões posteriores, mas o domínio silencioso onde a vida devolve à terra tudo o que um dia lhe foi dado. Nesta aula, mergulharemos nas sombras do deus que reina sobre o Submundo, revelando o verdadeiro sentido espiritual e mágico de sua presença na tradição helênica.
A Identidade de Hades e Sua Natureza Divina
Hades, filho de Cronos e Reia, é o irmão esquecido de Zeus e Poseidon. Enquanto seus irmãos dividiram o céu e o mar, a ele coube o submundo. Nnão como punição, mas como equilíbrio da ordem cósmica. Seu nome, “Aïdes” (o Invisível), descreve não apenas seu domínio oculto, mas a própria essência do que está além dos olhos humanos. Nos hinos homéricos, Hades não é a Morte (essa função pertence a Tânatos), mas o guardião dos mortos, aquele que zela pela passagem e repouso das almas. Seu poder é silencioso, inflexível e justo, pois todas as coisas em algum momento, retornam a ele.
Na magia grega, Hades é visto como o “Senhor do Tesouro Oculto” o que governa não apenas os mortos, mas as riquezas minerais e espirituais escondidas sob a superfície. É o deus das sementes que repousam na escuridão antes de brotar. Por isso, ele também é conhecido como Plutão, o Rico aquele que concede prosperidade, mas apenas a quem compreende o ciclo da perda e do renascimento.
O Submundo Grego e Sua Estrutura
O reino de Hades, chamado Érebo, é um vasto território dividido em regiões simbólicas. No Tártaro as forças destrutivas e caóticas estão contidas. Nos Campos Elísios repousam as almas virtuosas em eterna bem-aventurança. Já nos Campos de Asfódelos, vagueiam os espíritos neutros que não foram nem heróis nem tiranos.
Os rios que cortam o Submundo Estige, Letes, Aqueronte, Cócito e Flegeton são mais que paisagens: representam leis universais. A Estige é o juramento inviolável dos deuses, Letes é o esquecimento necessário à reencarnação e o Aqueronte é a passagem de transição. Caronte, o barqueiro, conduz as almas mediante o óbolo símbolo do preço da consciência. Cada elemento desse mundo é espelho de um processo interno, onde a alma humana desce às suas próprias profundezas em busca de sabedoria.
Perséfone e o Ciclo da Vida e da Morte
Entre as histórias que cercam Hades, nenhuma é tão poderosa quanto a de Perséfone. A jovem filha de Deméter é raptada pelo deus e levada ao Submundo, onde se torna sua rainha. No entanto, sua mãe em luto, faz a terra definhar. Zeus intervém solicitando Hecate para acalmar os ânimos e encontrar uma solução perante os deuses e Perséfone passa metade do ano na superfície e metade nos reinos inferiores. Assim nascem as estações: Primavera e verão quando ela retorna; outono e inverno quando desce.
Este mito é o coração dos Mistérios de Elêusis, onde os iniciados aprendiam que a morte não é o fim, mas transformação. Hades, longe de ser um raptor cruel é o catalisador da maturação espiritual. O mito revela que para renascer é preciso aceitar a descida a passagem pelo escuro fértil que precede toda iluminação.
Hades e a Magia Antiga
Nos papiros mágicos gregos (Papyri Graecae Magicae), o nome de Hades surge em invocações destinadas à comunicação com os mortos e à revelação de segredos ocultos. Ele é o soberano da necromancia não no sentido vulgar de “magia negra”, mas como mediador entre mundos. Para os magos helênicos, entrar em contato com o reino de Hades era buscar conhecimento ancestral, sabedoria dos que já haviam cruzado o véu.
Curiosamente, Hades também era invocado em ritos de fertilidade sob o nome de Plutão. Assim como o ouro e o grão dormem nas profundezas da terra, o poder de Hades é o da gestação silenciosa. Ele ensina que toda abundância nasce da escuridão interior.
Hades, Hécate e os Mistérios Ctonianos
Hades não reina sozinho. Ao seu lado estão Perséfone e Hécate, formando uma tríade ctoniana as divindades da noite e da iniciação. Hécate, senhora das encruzilhadas é a condutora das almas e guardiã das chaves do Submundo. Juntas, essas três figuras representam o ciclo completo da transformação: A descida (Hécate), o repouso (Hades) e o retorno (Perséfone).
Nos mistérios órficos, Hades é visto como o “Guardião do Portão de Luz”, aquele que oferece ao iniciado o cálice da memória ou do esquecimento. As lâminas órficas de ouro encontradas em túmulos antigos, trazem inscrições que instruem a alma: “Dizei: Sou filho da Terra e do Céu estrelado; sede propício, Hades, pois conheço os vossos caminhos.”
A Interpretação Filosófica e Psicológica
Para os neoplatônicos, descer ao reino de Hades era uma metáfora da jornada interior. Plotino e Proclo viam nessa descida o símbolo da alma que abandona o mundo sensível em busca da verdade essencial. Séculos depois, Carl Jung reinterpretou Hades como o arquétipo da Sombra, o inconsciente profundo onde habitam nossos medos, instintos e potenciais não reconhecidos.
Confrontar Hades é confrontar a si mesmo enfrentar o que foi negado para integrar o que é inteiro. Essa é a verdadeira alquimia espiritual: Transformar o medo da morte em aceitação da eternidade.
Hades na Cultura Moderna e Seu Significado Atual
Hoje, Hades reaparece em obras de arte, filmes e literatura como uma figura complexa que desafia a dicotomia entre bem e mal. Ele se tornou o símbolo do poder interior, da introspecção e da sabedoria que nasce do silêncio. No século XXI, seu mito ressoa com quem busca compreender o próprio inconsciente e reconciliar-se com as sombras da existência.
Necromanteion
O Necromanteion (ou Nekromanteion, do grego antigo Νεκρομαντεῖον, “oráculo dos mortos”) é um dos lugares mais fascinantes e sombrios da Grécia Antiga. O nome significa literalmente “Templo da Necromancia” e era considerado uma porta física para o reino de Hades um ponto liminar onde os vivos podiam se comunicar com as almas dos mortos sob orientação ritual e sacerdotal.
Localização e natureza do templo
O Necromanteion mais famoso ficava nas margens do rio Acheron, na antiga Épiro, noroeste da Grécia um dos cinco rios míticos do Submundo. O Aqueronte era conhecido como o “rio da dor” o mesmo que as almas precisavam atravessar para alcançar o domínio de Hades. Por isso, o templo foi erguido ali em um terreno pantanoso envolto por neblinas e silêncio o cenário perfeito para o limiar entre mundos.
Escavações arqueológicas no século XX revelaram que o local realmente existiu um complexo subterrâneo de corredores estreitos, câmaras de pedra e sistemas de eco projetados para causar sensações de vertigem e transe. Alguns arqueólogos sugerem que o templo era usado para rituais noturnos com fogo, fumaça e sons rituais, criando a impressão de uma descida real ao mundo dos mortos.
O ritual de comunicação com os mortos
Os peregrinos que buscavam o Necromanteion não eram simples curiosos vinham em busca de respostas dos que já haviam partido. Antes de entrar, passavam por um longo processo de purificação e preparação que incluía:
• Jejum por vários dias;
• Abstinência sexual;
• O sacrifício de animais negros, geralmente carneiros;
• O uso de poções com ervas psicotrópicas, como a beladona ou o ópio que induziam estados alterados de consciência.
Guiados pelos sacerdotes homens e mulheres treinados nas artes ctonianas os visitantes desciam por túneis escuros, muitas vezes de olhos vendados ouvindo cânticos e o bater de tambores profundos. O ritual simbolizava a descida da alma ao Érebo.
No salão central, acreditava-se que as almas dos mortos poderiam manifestar-se em névoas, visões ou vozes, permitindo diálogo com os vivos. Homero menciona práticas semelhantes na Odisseia, quando Ulisses realiza sacrifícios no Aqueronte para invocar o espírito de Tirésias.
O simbolismo místico
No plano espiritual, o Necromanteion não era apenas um templo de necromancia era um espaço iniciático. A descida simbolizava o enfrentamento do medo da morte e a busca por sabedoria oculta.
O iniciado que “falava com os mortos” na verdade aprendia a ouvir as vozes do inconsciente ancestral e compreender o ciclo inevitável de retorno.
Era o caminho de Hades: A aceitação da sombra como parte da luz. O morto não era visto como inimigo, mas como mensageiro do que permanece.
A experiência psicológica e mística
Do ponto de vista moderno, o Necromanteion é uma impressionante combinação de arquitetura ritual e psicologia aplicada. O labirinto subterrâneo, o isolamento, o uso de sons graves e fumaça, tudo era pensado para provocar estados de transe e catarse. Ao final, o peregrino emergia do templo transformado como quem renasce após uma morte simbólica.
Legado e influência
Com o declínio do paganismo, o Necromanteion caiu em ruínas, mas sua lenda sobreviveu em textos gregos, bizantinos e renascentistas. Ele inspirou séculos de tradição esotérica: Magos herméticos, alquimistas e ocultistas viram nele um modelo de templo iniciático onde a jornada física espelha a jornada da alma.
Hoje, o local escavado pode ser visitado perto da vila de Mesopotamos, na Grécia. As ruínas ainda exalam um silêncio denso dizem que, nas noites úmidas, o eco dos túneis parece murmurar vozes antigas.
O Necromanteion é mais que um vestígio arqueológico: É o símbolo de uma civilização que não temia olhar para a morte, mas a reconhecia como portal para o mistério. Ali, sob as pedras frias e as sombras eternas do Épiro, a humanidade ousou fazer o impensável: Chamar pelos mortos e escutá-los.
Hades ensina que a luz não nasce da fuga, mas da travessia. Em seu reino, nada é perdido apenas transformado. Assim, o deus do invisível continua a sussurrar aos que ousam descer: “Tudo o que morre em ti pode florescer novamente, se tiveres coragem de caminhar nas trevas.”
Hino Órfico a Hades (Ὕμνος εἰς Ἅιδην) – Nº 18
(dos Hinos Órficos, século II a.C.)
Texto em Grego Antigo
Ἅιδην κλῄζω σε, χθονίων βασιλεῦ πολυδέγμων,
Ἀΐδη, πολυώνυμε, μέγα κράτος ἀνθρώπων,
Ταρτάρου ἐν σπείρῃσι καταχθονίων τε θεῶν ἄναξ,
Ἀργεῖοι σε μὲν ὡς Πλούτωνα προσηγορεύουσιν,
ὅτι πάντων ἀνθρώπων ἀγαθὰ χθονὶ κεῖται.
Σὺ δὲ ζωὴν ἀνθρώποις ἔδωκας, ἄναξ,
ἀθανάτων ἐπαναγωγὴν ψυχῆς ἐπιδεικνύων·
ἐλθέ, μάκαρ, εὐμενὴς τοῖς μύσταις,
εὐμενῶς ἔχων καρπὸν χθονὸς ἁγνῆς.
Transliteração
Haídēn klēizō se, khthoniōn basileu poludegmōn,
Aïdē, poluōnyme, mega kratos anthrōpōn,
Tartarou en speirēisi kata khthoniōn te theōn anax,
Argeioi se men hōs Ploutōna prosēgoreuousin,
hoti pantōn anthrōpōn agatha khthoni keitai.
Su de zōēn anthrōpois edōkas, anax,
athanatōn epanagōgēn psukhēs epideiknyōn;
elthe makar, eumeneis tois mustais,
eumēnōs ekhōn karpon khthonos hagnēs.
Tradução Poética e Ritual
Invoco-te, Hades, Rei dos Mortos, acolhedor de muitos,
Senhor dos que habitam abaixo, detentor do poder dos homens.
Tu que reinas sobre o Tártaro e os deuses subterrâneos,
a quem os mortais chamam de Plutão, o Rico,
pois sob a Terra repousam todos os bens da vida.
Tu, que dás à humanidade o dom da existência,
revelando o caminho da alma imortal na descida.
Vem, Bem-aventurado, e sê propício aos iniciados —
traz contigo os frutos sagrados da pura Terra.


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