Hieróglifos: signos sagrados. - Neófita: Thaís Pinheiro.
Introdução
Estudar sobre uma civilização envolve, entre outros fatores, desbravar um dos elementos mais preciosos de uma sociedade: os códigos de comunicação utilizados. Para além da língua oral utilizada no Egito Antigo, destacou-se historicamente o sistema de escrita simbólico denominado hieroglífico.
Acredito que todos os leitores já tenham ouvido falar sobre esse sistema, porém hoje iremos além. Vamos entender os hieróglifos não apenas como elementos de comunicação, mas como ferramentas mágicas que criavam e recriavam o mundo a cada novo uso.
O grande achado arqueológico: a Pedra de Roseta
Durante o Renascimento (em meados do século XV), o interesse do Ocidente pelos hieróglifos começou a despertar. A motivação vinha das práticas místicas relacionadas a esse sistema de escrita, considerado um repositório de verdades ocultas sobre o ser humano e o divino.
Foi iniciada, então, uma jornada em busca de documentos, artefatos e objetos que remetessem ao Egito, com o intuito de acessar esses conhecimentos.
Em 1799, durante uma expedição militar francesa no Egito, liderada por Napoleão Bonaparte, foi encontrado, na cidade de Roseta, um bloco granítico negro, provavelmente originário do Período Ptolemaico, contendo três inscrições em diferentes linguagens:
→ a grega (que indicava que o texto se tratava de um decreto de Ptolomeu V);
→ a sagrada (presente nos monumentos e posteriormente chamada de hieroglífica);
→ a demótica (usada em documentos populares).
A partir dessa “descoberta”, foram intensificadas as buscas por fontes de estudo, fossem elas profanas (de uso comum) ou religiosas (diretamente relacionadas aos cultos).
A criação do sistema hieroglífico
A língua e a escrita de um povo refletem o contexto, o pensamento e o conjunto de valores que ele possui. Os hieróglifos formavam um código de símbolos sagrados que agrupava elementos como animais, plantas, estruturas naturais, fatores ritualísticos etc., buscando retratar os componentes do cotidiano egípcio.
Os hieróglifos eram utilizados para registrar desde textos religiosos e mitológicos até documentos administrativos e inscrições monumentais. Embora a maioria da população não compreendesse o significado dos elementos (um saber restrito a escribas, sacerdotes e membros da elite), a forma visual das inscrições, ricamente simbólica, sugeria aos observadores o caráter sagrado ou narrativo das cenas representadas.
Os túmulos, os prédios estatais e os templos, com estátuas, pórticos e obeliscos, eram como livros arquitetônicos, repletos de signos e prontos para serem lidos.
Os hieróglifos como linguagem mágica
As palavras e os símbolos são vias de manifestação, e os hieróglifos respondiam a essa lei universal. Acreditava-se que eles pudessem ser utilizados para tornar reais conceitos ou eventos, por meio da magia (heka).
Os hieróglifos eram considerados os intermediários entre o criador e o mundo criado. Cada criatura viva era vista como um hieróglifo, a materialização de uma ideia divina.
Nesse sentido, tal sistema de símbolos conduzia a um trabalho de decifração da própria vida, fazendo com que o indivíduo buscasse encontrar o seu lugar na grande obra do criador.
Ao escrever, o ser humano imitava o gesto do criador. Na perspectiva egípcia, toda obra humana, mesmo a mais simples, produzia hieróglifos que davam permanência e continuidade à obra fundada pelo criador.
Os hieróglifos e os elementos mágicos
Quantas vezes você já viu pessoas portando símbolos em tatuagens, acessórios e estampas de vestimentas, por exemplo? Muitas, não é? De cruzes a runas, o uso desses elementos é carregado de significado. O portador traz para si esses símbolos, evocando o significado por trás deles.
No Egito Antigo, não era diferente. Os signos hieroglíficos (como o escaravelho, o olho de Hórus e o pilar) eram a principal inspiração para a confecção de amuletos. Esses itens eram criados com o objetivo de canalizar o poder mágico do símbolo para o portador do amuleto. Ao usá-los, a pessoa se revestia de hieróglifos e era envolvida nesse poder mágico das palavras divinas.
Além disso, como fontes utilizadas para estudo dos hieróglifos, encontram-se itens que ultrapassam a classificação como elementos históricos e assumem a forma de artefatos mágicos.
São alguns exemplos: cartas de negócio que invocam a proteção dos deuses, espelhos adornados, textos que ornamentam as paredes dos túmulos de faraós e papiros encontrados em tumbas (como os Textos das Pirâmides, os Textos dos Sarcófagos, o Livro dos Mortos, o Livro de Amduat, os Livros das Respirações etc.).
Entre esses exemplos, destaco o Livro dos Mortos, que consiste em uma coletânea de hinos e poemas egípcios compilados de forma a acompanhar o morto na passagem para o além. O conteúdo, cuidadosamente ilustrado, era colocado nos sarcófagos e continha encantamentos e palavras-chave que conduziam o morto pela árdua tarefa de passar pelo tribunal de Osíris.
Conclusão
Compreender os hieróglifos é, em última instância, compreender o modo como o Egito Antigo percebia a própria realidade. Para os egípcios, escrever não era um simples ato de registrar, mas de tocar o eterno. Cada sinal era uma centelha da criação original, uma ponte entre o visível e o invisível.
Cada símbolo entalhado nas pedras do Nilo guardava a convicção de que o verbo pode mover o cosmos. Talvez o verdadeiro mistério dos hieróglifos não esteja em decifrar o que eles diziam, mas em recordar aquilo de que nós esquecemos: que toda palavra, quando dita com consciência, é um gesto criador.


Comentários
Postar um comentário
Deixe seu comentário!