Aula Introdutória à Magia, Folclore e Ocultismo da Coreia. Por: Akane e Cris.




O Mundo Invisível na Tradição Coreana

“Nem tudo que vive está entre os vivos, e nem todo silêncio é ausência.”

Na antiga sabedoria coreana, o mundo não termina na matéria visível. Atrás da névoa das montanhas, no sussurro das florestas e no aroma do arroz queimado no altar dos ancestrais, pulsa um universo invisível, povoado por espíritos, deuses locais e forças que transcendem a lógica cotidiana. Este mundo espiritual — Yeonghon-ui segye (영혼의 세계) — é real, ativo e, acima de tudo, presente. Ele se entrelaça com a vida comum, influenciando o destino, as emoções e os acontecimentos com a mesma força que o vento molda o mar.

O povo coreano preserva, até hoje, uma relação íntima e reverente com este mundo oculto. Herdeiros de uma linhagem espiritual milenar, os coreanos mantêm práticas que dialogam com os mortos, com os deuses tutelares da terra, com os espíritos da montanha (Sanshin), e com os fantasmas inquietos chamados Gwisin (귀신). Essas entidades, embora invisíveis, têm vontades, memórias e poder. São capazes de abençoar ou amaldiçoar, proteger ou assombrar.

No coração dessa interação entre mundos está o xamanismo coreano, conhecido como Muismo (무속신앙). Muito antes da chegada do budismo ou do confucionismo, a península coreana já ecoava com os tambores das mudang — xamãs, quase sempre mulheres, que dançam, cantam e se deixam possuir por divindades e espíritos. Elas são pontes vivas entre o visível e o invisível, mediadoras de curas, bênçãos e exorcismos. Durante os rituais Gutt (굿), o espaço se transforma: o tempo se dobra, os mortos se aproximam e as divindades descem. Nada é teatro. Tudo é real, segundo a tradição.

Os ancestrais ocupam posição central nessa cosmologia. Acredita-se que, mesmo após a morte, continuam a observar e influenciar os vivos. Desrespeitá-los é invocar má sorte; honrá-los é garantir proteção e prosperidade. Os rituais ancestrais, como o Jesa (제사), são realizados com extrema devoção, reunindo alimentos, incensos e preces para nutrir as almas dos que vieram antes — não como forma de culto, mas como expressão de continuidade, gratidão e dever.

Em resumo, para compreender a magia coreana é necessário abrir-se ao entendimento de um universo que não se limita ao físico. Um universo de portais sutis, onde o som do tambor chama espíritos, onde o sangue carrega traços espirituais, e onde cada pedra, sombra ou brisa pode conter uma presença.



Significado Espiritual dos Nomes na Cultura Coreana

Tradicionalmente, os nomes coreanos são compostos por dois caracteres chineses (hanja), cada um com um significado específico. A combinação desses caracteres visa transmitir desejos ou qualidades que os pais esperam para seus filhos, como sabedoria, prosperidade ou virtude. Além disso, a escolha do nome pode envolver consultas a especialistas em nomes (ireumja) ou xamãs (mudang), que consideram fatores como a data e hora de nascimento para harmonizar o nome com os elementos do destino da criança.


Gongsim (공심): uma princesa lendária da dinastia Goryeo que, segundo a mitologia, foi acometida por uma doença espiritual (sinbyeong) e curada através da iniciação no xamanismo. Ela é reverenciada em rituais xamânicos, especialmente nas províncias do sudoeste da Coreia, como uma figura que introduziu o xamanismo na região. A invocação de nomes como Gongsim em rituais serve para estabelecer uma conexão com o mundo espiritual e garantir a eficácia das cerimônias.


Tipos Sanguíneos e Magia:


Na tradição coreana, os nomes não são apenas identificadores, mas também carregam significados simbólicos e esperanças para o futuro da pessoa. A escolha cuidadosa dos caracteres hanja reflete os desejos dos pais para o caráter e o destino do filho.

Além disso, o uso de nomes está profundamente enraizado nas normas sociais e culturais:

Respeito e Hierarquia: É considerado desrespeitoso chamar alguém mais velho ou de status superior pelo nome pessoal sem o uso de títulos honoríficos. Em vez disso, utiliza-se o sobrenome seguido por um título apropriado.

Tecnônimos: É comum referir-se aos pais pelo nome do filho mais velho, como "mãe de Cheol-su" (철수 엄마), enfatizando o papel parental na identidade social.

Na cultura coreana, os tipos sanguíneos são frequentemente associados a traços de personalidade, não tem valor científico, mas é bastante popular nos países asiáticos, incluindo Coreia do Sul, Japão e Taiwan. É similar à astrologia ocidental.

Tipo A: Organizado, responsável, sensível e perfeccionista. – tendência a ser médium passivo.

Tipo B: Criativo, apaixonado, impulsivo e independente.– mais propenso a desequilíbrios espirituais.

Tipo AB: Racional, controlado, crítico e imprevisível. – sensível ao mundo invisível. Pessoas desse tipo sanguíneo geralmente são tida com “não confiáveis”, de acordo com as crenças coreanas.

Tipo O: Confiante, extrovertido, ambicioso e natural líder – apto para conduzir rituais e domar entidades.


Dias Negros: Datas Amaldiçoadas e Tabus Temporais

Na cultura coreana, certos dias e períodos são considerados inauspiciosos, influenciando eventos como casamentos, funerais e viagens espirituais. Essas crenças têm origem em tradições xamânicas, na astrologia oriental e no respeito aos ancestrais, evidenciando a importância do tempo e da espiritualidade na vida cotidiana.

Principais datas evitadas incluem:

Dias "Eumil" (음일): Ligados à energia negativa (yin), são evitados para eventos importantes.

Períodos de "Sanjae" (삼재): Três anos desfavoráveis para determinados signos zodiacais, impactando decisões como casamentos e funerais. 

"Bujeong" (부정): Épocas de má sorte, especialmente em fevereiro e agosto, associadas à presença de espíritos ancestrais.

Eventos como casamentos e funerais seguem regras rígidas quanto ao calendário, e viagens espirituais são evitadas em periodos como Lua Cheia, "Daeboreum" (대보름) e o Ano Novo Lunar (Seollal), devido ao risco de interferência espiritual.

Essas práticas demonstram a crença de que o tempo não é neutro, mas um elemento espiritual que pode influenciar a sorte e o destino.



Espíritos Errantes e Portais Abertos

"Quando a morte é inquieta, a alma não encontra caminho."


No coração do imaginário espiritual coreano, nem toda alma repousa após a morte. Muitas permanecem vagando entre os mundos — presas ao sofrimento, à vingança ou à ausência de ritos adequados. Esses espíritos errantes são conhecidos como Gwisin (귀신), e seu nome ecoa como um sussurro gelado nos becos escuros, nos campos abandonados e nas casas onde o luto não se concluiu.

Os Gwisin não são apenas histórias contadas ao redor do fogo. Eles fazem parte viva do cotidiano espiritual coreano e aparecem com frequência na literatura, na televisão, no cinema e — segundo muitos relatos — na vida real. Diferenciam-se por sua causa de morte, estado emocional e aparência espectral. 


Curiosidade: Na Coreia, o número 4 é considerado azarado, pois sua pronúncia é semelhante à palavra "morte" (사, sa), levando à omissão do número em andares e quartos, especialmente em hospitais. Já o número 13 não carrega esse estigma como nas culturas ocidentais. Quanto aos dias da semana, não há superstições fortes envolvendo a terça-feira. A segunda-feira, porém, é vista como um dia de energia negativa, podendo afetar o humor e a produtividade, embora não seja associada a um azar profundo ou espiritual.

Tipos de Gwisin

Cheonyeo Gwisin (처녀귀신) – Espírito da Donzela Morta: talvez o mais conhecido no folclore coreano, trata-se do fantasma de uma mulher jovem que morreu antes de casar ou cumprir seu papel tradicional na família. Veste branco, com cabelos longos e soltos, e costuma aparecer em lugares silenciosos e frios. Carrega uma tristeza profunda e, às vezes, rancor.

Wonhon Gwisin (원혼귀신) – Espírito Vingativo: nasce da injustiça. São almas de pessoas que sofreram traições, assassinatos ou abusos em vida. Incapazes de perdoar ou seguir adiante, permanecem nos locais onde morreram, assombrando os responsáveis ou qualquer um que cruze seu caminho.

Agi Gwisin (아기귀신) – Espírito Infantil: fantasmas de crianças que morreram prematuramente ou foram rejeitadas. Apesar de sua aparência frágil, podem ser perturbadores, especialmente quando manipulados por xamãs mal-intencionados em práticas de magia negra (Heukmu).

Jaesa Gwisin (자살귀신) – Espírito do Suicídio: considerados perigosos por muitos praticantes espirituais, esses fantasmas geralmente se manifestam em locais onde o suicídio ocorreu, repetindo padrões, atraindo outros à mesma escolha ou amaldiçoando o espaço.

Lugares onde Portais se Abrem

Na cosmologia coreana, certos locais possuem uma energia mais tênue, onde a separação entre o mundo dos vivos e o dos mortos se enfraquece. Esses portais espirituais se abrem naturalmente ou são rasgados por emoções extremas como dor, luto ou raiva. Os lugares mais propensos a esse fenômeno são:

Florestas densas, especialmente as pouco tocadas por humanos, onde se acredita que os Sanshin (espíritos da montanha) e almas errantes circulam.

Montanhas e cavernas, vistas como moradas dos deuses e passagens entre mundos, frequentemente usadas em rituais de ascensão espiritual ou necromancia.

Casas vazias ou abandonadas, onde ocorreram mortes não ritualizadas, suicídios ou crimes. Sem os devidos ritos (Jesa), essas casas tornam-se pontos de acúmulo espiritual.

Hospitais e cemitérios antigos, considerados áreas carregadas espiritualmente, repletas de energias residuais e acessos frequentes aos mundos invisíveis.


 Sinais de um Portal Aberto ou Local Amaldiçoado

A sabedoria popular coreana ensina que os lugares onde os espíritos caminham deixam rastros. Alguns sinais recorrentes de um local com presença espiritual intensa ou portal aberto incluem:


     Queda súbita de temperatura em um ambiente fechado, mesmo sem causa aparente.

Cheiro de incenso ou queimado onde não há fontes visíveis.

Pesadelos repetitivos, cansaço inexplicável e sensação de observação constante por quem frequenta o local.

Comportamento anormal de animais, especialmente cães que latem para o vazio ou gatos que evitam certos cômodos.

 Objetos que caem ou se movem sozinhos, ou aparelhos que ligam e desligam sem motivo.

Em casos mais extremos, acredita-se que o espírito possa possuir um morador ou visitante, causando doenças físicas ou psicológicas, exigindo então a intervenção de uma mudang ou ritualista.

Talismãs e Proteções Tradicionais

Na tradição espiritual coreana, proteção é um ato contínuo de equilíbrio entre o visível e o invisível. Para afastar má sorte, espíritos inquietos e influências negativas, a sabedoria ancestral recorre a objetos consagrados e práticas simples, mas profundamente simbólicas.

Entre os mais poderosos estão os bujeok (부적) — talismãs escritos à mão com pincel e tinta vermelha, contendo símbolos, selos e caracteres místicos. Eles são colocados em portas, roupas ou sob travesseiros, servindo como barreiras espirituais e invocações de proteção.

Outro símbolo importante são os maedeup (매듭) — nós protetores feitos com cordões coloridos, cada formato carregando um significado: longevidade, fortuna, amor ou purificação. Carregados como amuletos, são também oferecidos a espíritos bons como sinal de respeito.

Certas plantas, como o crisântemo e a artemísia (ssuk), são queimadas ou penduradas em portas para limpar o ambiente. O vermelho e o amarelo dourado são cores que espantam o mal.

Rituais simples e acessíveis usam sal grosso nos cantos da casa, arroz cru como oferenda purificadora, espelhos virados para fora para refletir entidades, e fumaça de incenso e fogo para selar espaços.

Cada gesto, palavra e elemento é um lembrete: no mundo coreano da magia, o invisível responde ao respeito e à intenção.



Preparando-se para o Caminho

"Antes de tocar o invisível, incline-se com humildade diante do que veio antes."

Iniciar-se no caminho da magia coreana não é apenas um estudo de técnicas ou símbolos — é um ato de reverência profunda à tradição, aos espíritos e aos mortos. A prática mágica, neste contexto, é inseparável da ética e da devoção. O praticante não é um dominador de forças ocultas, mas um intermediário cuidadoso, que caminha entre os mundos com o coração voltado para o respeito.

Toda jornada começa com consentimento espiritual. Isso significa apresentar-se com sinceridade diante das forças invisíveis, reconhecer sua própria ancestralidade e pedir permissão para adentrar os domínios sagrados. A curiosidade não basta; é preciso postura e intenção limpa.

A ética tradicional coreana ensina que os espíritos — especialmente os ancestrais e os mortos não apaziguados — devem ser tratados com respeito absoluto. Zombarias, pedidos egoístas ou práticas feitas por vaidade podem romper o equilíbrio e trazer consequências espirituais sérias. O primeiro passo é, portanto, a honra silenciosa: aprender a ouvir antes de agir, sentir antes de invocar.

O caminho mágico coreano é construído sobre a fundação da reverência. Ele não começa com feitiços poderosos ou rituais elaborados, mas com a escuta, o cuidado e a construção de um vínculo sincero com os que vieram antes — e com aqueles que ainda permanecem à sombra do mundo.

Que seus passos sejam guiados pela humildade, e que os portais se abram apenas quando seu coração estiver pronto.

Ireoseo, charyeulhada — levante-se e honre.


Livros relevantes sobre magia, folclore e espiritualidade coreana:

1. Korean Shamanism: The Cultural Paradox – Chongho Kim

2. The Life and Hard Times of a Korean Shaman: Of Tales and the Telling of Tales – Laurel Kendall

3. Shamans, Nostalgias, and the IMF: South Korean Popular Religion in Motion – Laurel Kendall

4. Kut: Happiness Through Reciprocity – Boudewijn Walraven

5. Religion and Ritual in Korean Society – Laurel Kendall & Griffin Dix (eds.)

6. Korean Shamanistic Rituals – Jung Young Lee

7. God Pictures in Korean Contexts: The Ownership and Meaning of Shaman Paintings – Laurel Kendall

8. Folk Religion in Korea: Continuity and Change – Chongho Kim

9. The Korean Shaman Paintings – Sun Ock Lee

10. The Spirit Moves: Korean Shaman Rituals and Folk Religion – H. Edward Kim

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